segunda-feira, 4 de março de 2013

A RELIGIÃO DA ARTE



Entre os numerosos cultuadores da Religião da Arte e justamente a propósito de uma paralela referência ao elo tradicional , entra em nossa órbita de atenção a pintura visionária de Hieronymus Bosh, esse contemporâneo de Leonardo DaVinci nascido em 1450, conhecido como ‘’o último dos góticos’’ e tbm como ‘’o pintor dos assuntos estranhos’’. Testemunhar uma pintura de Bosch é entrar num vértice fosfórico e sem limites de emprego da consciência em que toda realidade se encontra mudada, metamorfoseada - ''em quê?! : antes de tudo, numa consciência'' que excede as linhas demarcatórias das convenções cognitivas de todo tipo para dar conta de uma visão espiritual. E se todo chamado espiritual nos induz a sentir um certo estranhamento metafísico em relação ao mundo do dia a dia, como uma latência de cultivo embrionário chamado a desvelar-se através da prática artística, pode-se dizer que a ‘’chamada’’ de Bosch põe em flagrante evidência justamente esse explosivo momento de fusão do humano com o metafísico.





Convenhamos de uma vez em situar o religioso mais além das fronteiras da dogmática e das ortodoxias e que não se reduza a noção de Religião da Arte á de uma simples arte com temática sagrada socada dentro. Muito pelo contrário, aqui estamos falando de um necessário emprego  da consciência idêntico ao que o artista vidente experimentou (dentro da literatura apocalíptica e mística judaica, na relação hermenêutica que o exegeta místico mantém com o texto, ele vê novamente a Deus como Deus foi visto no acontecimento histórico da revelação. Em suma, desde a perspectiva do Zohar, a experiência visionária é um veículo para a hermenêutica, assim como a hermenêutica é um veículo para a experiência visionária.) para quebrar essa fixação reducionista que nos prende ao padrão auto-reflexivo imperante de percepção e consequetemente de apreciação das obras de arte. ‘’Tão certo como um bife com batatas fritas’’(Artaud). ‘’ A Arte não é a imitação da Vida. Mas a Vida é a imitação de um Princípio Supremo com o qual a Arte volta a nos por em contato’’.(Artaud).





Claro que é para orientar nossa atenção ao contato com o ‘’conhecimento-direto’’ que outorga á operação poética mesma em qualquer dos ramos da arte este valor de sacralidade epifanica, hierofanica, parturiente de intermediação de planos. O próprio Eliade repetidamente identifica o sagrado como o real, ainda que ele estabeleça claramente que "o sagrado é uma estrutura da consciência humana" (1969 i; 1978, xiii). Este argumento deveria favorecer a última interpretação: uma construção social tanto do sagrado como da realidade. Ainda que o sagrado seja identificado com a fonte de significância, significado, poder e ser, e suas manifestações como hierofanias, cratofanias ou ontofanias respectivamente (aparências do sagrado, do poder ou do ser). Em correspondência à sugerida ambiguidade do próprio sagrado está a ambiguidade de suas manifestações.



 Eliade afirma que os crentes para os quais a hierofania é uma revelação do sagrado devem ser preparados pela experiência, includindo sua tradição religiosa anterior, antes que possam apreendê-la. Para os outros, a árvore sagrada, por exemplo, continua a ser uma simples árvore. É indispensável, na análise de Eliade, que qualquer entidade fenomênica possa ser apreendida como uma hierofania com uma preparação apropriada. Uma retomada da Coincidentia Oppositorum de Nicolau de Cusa é evidente aqui.






    Todo conhecimento vai desde o conhecido até o desconhecido, mediante o estabelecimento de proporcionalidades.



    Não existe proporção perfeita entre a coisa conhecida e nosso conhecimento dela, nem, em geral, entre o medido e a medida.



    Deus é ratio essendi e ratio cognoscendi de toda a realidade; de modo que, qualquer investigação filosófica tem por horizonte a Deus. Não há pergunta nem ente que não suponha necessariamente a Deus como princípio.






Tal premisa de esterelizar o campo da cognição de todo o anecdótico ou discursivo e até mesmo de todo o alfabético para deixar limpo em cima da mesa apenas o símbolo y fundir-se na consciência do mistério que o símbolo transmite, irredutível a térmos de intelecção discursiva ou emocionalismos fátuos, não está de acordo com  as prácticas en que se move a cultura de nosso tempo, onde toda a ênfase da crítica sublinha e até exclusiviza a questão MERAMENTE ANEDÓCTICA (discursiva) de um quadro, um texto ou uma partitura y não seu aspecto iniciático e sub-liminar que é o que de fato faz dele universal e eterno, como no caso que se segue.






Para ilustrar as diferenças entre uma e outra postura diante da Arte, valeria recordar aquele encontro entre um grupo de antropólogos que fizeram um chefe indígena desconhecedor de linguagens sonoras alheias a sua cultura, como a linguagem da música clássica, escutar uma gravação do Réquiem de Mozart. Ao concluir a audição, o índio refletiu desta maneira: ‘’Finalmente o homem branco nos trouxe algo que o faz digno de que lhe confiemos nossos segredos’’.






Ver;




 http://portalpineal.blogspot.com.br/2012/07/fred-murdock-el-personaje-del-cuento-de.html






eso que lo visible cotidiano transmite de lo invisible insondable, explica que la audición del indio traspasase todas las barreras culturales en las que hubiera quedado capturado el oído anecdótico.






Penetrar nesta problemática é para nós tanto mais importante quanto André Breton, “pai” do movimento surrealista, referiu que o surrealismo “repousa na crença na realidade superior de certas formas de associação negligenciadas até aí, no forte poder da ruptura do nível de consciência habitual, no jogo desinteressado da meditação ativa e criativa do pensamento”.






Somente os artistas que tentaram dar à imaginação iniciática e aos estados superiores de consciência um papel fundamental - e por isso libertador - nas suas composições, apresentaram para os primeiros surrealistas um autentico interesse (caso de Bosch). Por quanto o que lhes interessava e fundamentava era a transfiguração e a interpenetração dos dois planos num só.






Inclusive acredito que poderia afirmar-se que para compreender a imersão de um Juan Eduardo Cirlot no mundo dos símbolos e sua especial maneira de viver e compreender o símbolo, impõe-se estabelecer sua relação com o surrealismo. A coexistência de surrealismo e simbologia não é de forma nenhuma contraditória, como poderia parecer á princípio, devido a que o primeiro é um ismo vanguardista e o segundo está arraigado nas culturas tradicionais. O surrealismo pode ser um dos modos de oferecer atualidade histórica á simbologia metafísica, de modo que a vivencia simbólica não tenha sempre que recair em nostalgias regressivas e impossíveis de serem reproduzidas no presente, na sua busca da Realidade imantada e autônoma que atravessa a que habitamos como um rio ininterrupto.






Post Scriptum






 Pode-se demonstrar que na tradição judaica, particularmente na literatura mística e apocalíptica, há uma relação intrínsica entre o estudo de um texto e a experiência visionária. Longe de excluir-se mutuamente, a experiência visionária em si mesma pode ser de natureza interpretativa, enquanto que a tarefa exegética pode originar-se e desembocar em um estado revelador de consciência.



 As teses deste ensaio, formulado de maneira simples, é que no Zohar os dois modos, revelação e interpretação, se identificam e se fundem. E que ocorra essa convergência se deve ao fato de que a estrutura teosófica subjacente proporciona uma base fenomenológica comum a ambos. Na relação hermenêutica que o exegeta místico mantém com o texto, ele vê novamente a Deus como Deus foi visto no acontecimento histórico da revelação. Em suma, desde a perspectiva do Zohar, a experiência visionária é um veículo para a hermenêutica, assim como a hermenêutica é um veículo para a experiência visionária. A combinação destas modalidades constituiu uma enorme força que exerceu  uma influencia profunda nas seguintes gerações de exegetas judeus. Estabelecidos os nexos entre o estudo textual e a experiência visionária, a interpretação da Escritura já não foi considerada uma simples execução do mandato fundamental de Deus, no caso:estudar o Torá (talmud Torá), e sim que dita interpretação era melhor entendida como um ato de participáção mesmo no acontecimento-apropriador da revelação por parte  do intérprete. A interpretatio mesma se converteu num momento da revalatio, a qual na linguagem do Zohar comprende además el proceso de devequt, es decir, la unión del individuo con Dios.



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Elliot R. Wolfson,



«A hermenéutica da experiencia visionaria»



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