domingo, 9 de junho de 2013

Joaquim de Fiore e a Era do Intellectus Spiritualis


Em referência aos 5.000 anos, isto nos coloca no ano de 1239 d.C., época assinalada por uma instabilidade espiritual, por heresias revolucionárias e expectativas quiliásticas, mas tbm  pelas fundações das Ordens mendicantes que trouxeram um novo surto de vida ao monaquismo. Uma das vozes mais poderosas e influentes que anunciava o advento da nova era do Espírito foi a de Joaquim de Fiore (1202), cujos ensinamentos foram condenados no Quarto Concílio de Latrão, em 1215. Ele esperava a abertura do sétimo selo do Apocalipse em um futuro relativamente próximo, ou seja, esperava a era do ''Evangelho Eterno'' e do reino do INTELELCTUS SPIRITUALLIS, a era do ESPÍRITO SANTO. Este terceiro eón, dizia ele, começou  com São Bento, o fundador da Ordem Beneditina (o primeiro mosteiro foi construído provavelmente poucos anos depois de 529. Um joaquimita, o fransciscano Gerardo de Borgo San Donnino, anunciava, em seu escrito INTRODUCTORIUS IN EVANGELIUM AETERNUM, aparecido em 1254, em Paris, que as três principais obras escritas por Joaquim são o EVANGELIUM AETERNUM,  e que este substituiria o Evangelho de Jesus Cristo em 1260.  Como se sabe, Joaquim viu no monaquismo o verdadeiro depositário do Espírito, e por este motivo colocou o misterioso início da nova era no tempo em que viveu São Bento, que criou o monaquismo ocidental com a fundação de sua Ordem.

Já Pedro de Alíaco considerava a época de Inocêncio III (1198-1216) como um período importante. Foi por volta do ano 1189, diz ele, que se completou, mais uma vez, a série das revoluções de Saturno (completae anno Crhisti 1189 vel circiter). O papa condenara então uma das obras do Abade Joaquim, e tbm a doutrina herética de Amalarico. Este é o filósofo e e teólogo Amalarico de Bena (1204) que faz parte do movimento geral do Espírito Santo daquela época. Foi nessa época tbm que se fundaram as Ordens mendicantes, quae res magna et miranda fuit in eclesia christiana. Pedro de Alíaco considera e ressalta essas manifestações, que tbm nos causam espanto, como características daquela época, pouco importando que ele as tenha considerado como astrologicamente prevista.

Com a data de fundação do Mosteiro de Monte Cassino aproximamo-nos consideravelmente do ano 530, que foi vaticinado pelo TALMUD como uma data crítica. Segundo a concepção joaquimita, nesta época tem início, não propriamente um novo éon, mas um novo status do mundo, ou seja, a era do monaquismo  ou o reinado do ESPÍRITO SANTO. É verdade que este começo tem lugar ainda no âmbito do status do Filho, mas Joaquim supõe, em forma psicologicamente correta,  que um novo status ou - diríamos nós, -uma nova disposição apareceprimeiramente como um estado preparatório maios ou menos latente, ao qual só depois se segue da FRUCTIFICATIO,  a florescência e a consumação. Na época de Joaquim este florescimento ainda não tinha começado, como vimos; mas era possível observar um estado de inquietaçao e um movimento extraordinários e largamente difundido dos ânimos. Todos sentem a agitação do vento do Pneuma. Era, com efeito, uma época de idéias novas, e em parte inauditas, que se difundiam por toda parte, nos movimentos dos Cátaros, dos Patarinos, dos Concorreçanos, dos Valdenses, dos Pauperes, de Lugduno, dos Begardos, dos Fratres Liberi Spiritus, dos Brod-durch-Gott, ou quantos outros nomes tenham. ERstes movimentos começaram, pelo menos aparentemente, no inícoo do século XI. Os documentos contemporâneos recolhidos por Hahn lançam uma luz significativa sobre as concepções que circulavam nestes ambientes. Assim, entre outros, lemos o seguinte:

''Acreditam tbm que são Deus por natureza, sem distinção... e que são eternos, que são o próprio Reino dos Céus. Dizem tbm que são imutáveis na rocha nova, que não se perturbam com coisa alguma. E que o homem tem mais obrigação de seguir os impulsos interiores do que o Evangelho que é pregado todos os dias. Dizem que muito do que há aí (no Evangelho) são invenções que nada tem de verdadeiro''.

Em vez de muitas citações, creio que bastam estas poucas frases para caracterizar a mentalidade reinante nestes movimentos: trata-se de indivíduos que se identificavam (ou eram identificados) com Deus, que se consideravam super-homens, que assumiam uma atitude crítica diante do Evangelho, seguiam os ditames do homem interior e concebiam o Reino dos Céus como um estado interior. De certo modo, trata-se de indivíduos quase modernos, os quais tinham uma inflação religiosa, ao contrário do homem de nossos tempo, cuja psicose consiste em uma inflação racionalista e política. Não podemos, contudo, atribuir estas idéias extremistas a Joaquim, embora ele pertença ao grande movimento do Espírito, sendo inclusive uma de suas figuras mais proeminentes. Conviria aqui indagar as psicológicas que o teriam levado, a ele e a seus correligionários, a acalentar expectativas tão ousadas, como a de trocar a mensagem cristã pelo Evangelium Aeternum, e substituir a segunda Pessoa, pela Terceira, no governo do eón.; Esta idéia é de tal modo herética e rebelde, que só é possível entender seu aparecimento, admitindo-se que Joaquim se sentia impulsionado e apoiado por uma corrente universal daquela época. Ele a considerava como uma revelação do Espírito Santo, cuja existência e virtude generativa nenhuma igreja podia coibir. A numinosidade deste sentimento era acentuada pela coincidência cronológica (sincronicidade) com o início da era do peixe anti-cristão. Por este motivo, alguém poderia sentir-se tentado a interpretar o movimento do Espírito Santo e, consequentemente, as idéias fundamentais de Joaquim como expressão direta da psicologia anti-cristã que então se iniciava. Seja como for, a sentença condenatória da igreja é inteiramente compreensível, pois, sob certo aspecto, tal posição em relação á igreja de Jesus Cristo se aproxima bastante de uma rebeldia, e mesmo de uma apostasia. Mas mesmo confiando um pouco na convicção desses inovadores, de que estavam sendo dirigidos pelo Espírito Santo, uma outra opinião é não só possível como até provavél.

Quer dizer: do mesmo modo que Joaquim admitia o status do Espírito Santo já havia começado secretamente com Saõ Bento, poderíamos admitir que Joaquim também antecipara secretamente um novo status. Conscientemente, ele pensava estar realizando o status do Espírito Santo, da mesma forma que o intuito de São Bento era o de consolidar e aprofundar a Igreja e a vida cristã, por meio do monaquismo. Inconscientemente, porém,  Joaquim poderia estar possuído pelo arquétipo do Espírito – e isto é psicologicamente o mais provável. Não há dúvida de que ele se fundamenta em uma experiência vital numinosa que é característica de todos aqueles que foram tomados por um arquétipo. Ele entendia o Espírito, como não podia deixar de ser,  em sentido dogmático, como terceira pessoa da Divindade, e não no sentido do arquétipo empírico do Espírito. Com efeito, este último não é inequívoco, mas constitui originalmente uma dupla figura ambivalente, que não paenas voltou a emergir no conceito de Deus, da alquimia, como também produziu as mais contraditórias manifestações no próprio movimento do Espírito Santo. A era gnóstica já tinha claras intuições desta dupla figura. Por isso, uma época que coincidia com  com o começo da segunda era de Peixes e que tinha, portanto, necessariamente um aspecto ambíguo, era muito natural que uma crença no Espírito Santo, de cunho cristão, ajudasse tbm o arquétipo do Espírito a emergir, com sua característica ambivalência. Seria injustificado considerar a figura tão respeitável de Joaquim como um representante unilateral daquela turbulência revolucionária e anárquica que caracterizava o movimento do Espírito Santo em muitos lugares. Pelo contrário, é lícito admitir que ele mesmo, sem o saber introduziu um novo status, isto é, uma nova disposição religiosa destinada a transpor e a compensar o terrível abismo existente entre Cristo e o Anti-Cristo, e cujos primeiros inícios surgem no século XI. A era do Anti-Cristo tem isto de inerente: o Espírito se transforma, dentro dela, em Espírito maléfico, e o arquétipo vivificante submerge pouco a pouco no racionalismo, no intelectualismo acadêmico e no doutrinarismo, conduzindo á tragicidade do modernismo que pende, de modo assustador, qual espada de Dámocles, sobre nossas cabeças. Na antiga fórmula trinitária, sobre a qual Joaquim se baseia, falta a figura dogmática do diabo que leva uma existência ambígua, como mysterium iniquitatis, em qualquer parte, á margem da Metafísica Teológica. Infelismente, - poder-se-ia dizer – seu advento ameaçador já se encontra previsto no Novo Testamento. Ele é tanto mais perigoso quanto menos o conhecemos. Mas quem poderia advinha-lo sob a capa de seus nomes sonoros como ‘’bem-estar’’, , ‘’segurança de vida’’, ‘’paz mundial’’? Ele se dissimula sob o manto dos idealismo e de todos os ismos em geral, entre os quais o pior é sem dúvida o ‘’doutrinarismo’’, a mais anti-espiritual das atividades do espírito. A época de hoje deve se defrontar com o  sic et non (sim e não), sob sua forma mais drástica, isto é, com a oposição absoluta que não somente dilacera politicamente o mundo, como divide interiormente o coração de cada homem. Precisamos voltar á um espírito originário, vivo, que, precisamente devido á sua ambivalência, tbm é um mediador e unificador de opostos, idéia esta que ocupou a Alquimia (se bem que de maneira imprópria) durante muitos séculos.   
C.G.JUNG

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