quarta-feira, 10 de julho de 2013

HEROÍSMO ANTROPOFÁGICO

 
 
Aprofundando a ideologia da Poesia Pau-Brasil, que desejava criar uma poesia de exportação, o movimento antropofágico brasileiro tinha por objetivo a deglutição (daí o caráter metafórico da palavra "antropofágico") da cultura do outro externo, como a norte americana e europeia e do outro interno, a cultura dos ameríndios, dos afrodescendentes, dos eurodescendentes, dos descendentes de orientais, ou seja, não se deve negar a cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada. Foi certamente um dos marcos do modernismo brasileiro.
Há muitas teorias ligadas a esse movimento, como o estudo totem e tabu de Sigmund Freud (1856 - 1939)

Oswald de Andrade ironizava em suas obras a submissão da elite brasileira aos países desenvolvidos. Propunha a "Devoração cultural das técnicas importadas para reelaborá-las com autonomia, convertendo-as em produto de exportação".
Unindo ao primitivismo brasileiro um certo primitivismo herdado de Breton , Oswald iria prosseguir aprofundando o seu pensamento neste sentido.
Não se trata, no entanto, de mais de um processo de assimilação harmoniosa e espontânea entre os dois pólos, como de certa forma o autor pregava no Manifesto da Poesia Pau-Brasil de 1924. Agora o primitivismo aparece como signo de deglutição crítica do outro, o moderno e civilizado: "Tupy, or not tupy that is the question. (...) Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago".1 Nesse sentido, o mito, que é irracional, serve tanto para criticar a história do Brasil e as consequências de seu passado colonial, quanto para estabelecer um horizonte utópico, em que o matriarcado da comunidade primitiva substitui o sistema burguês patriarcal: "Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama".

Nota-se, da mesma forma, que não se trata de se opor pura e simplesmente à civilização moderna industrial; antes, Oswald acredita que são alguns dos benefícios proporcionados por ela que tornam possíveis formas primitivas de existência. Por outro lado, somente o pensamento antropofágico é capaz de distinguir os elementos positivos dessa civilização, eliminando o que não interessa e promovendo, por fim, a "Revolução Caraíba" e seu novo homem "bárbaro tecnizado": "A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls". Mediante a oposição de emblemas culturais e símbolos míticos, o autor reconta de forma metafórica a história do Brasil: Padre Vieira, Anchieta, a Mãe dos Gracos, a corte de D. João VI, a Moral da Cegonha surgem ao lado da potência mítica de Jabuti, Guaraci, Jaci e da Cobra Grande. Na nova imagem forjada o passado pré-cabralino é emparelhado com as utopias vanguardistas, pois "já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista" em nossa idade de ouro.
Como o autor observa em depoimento posterior, a antropofagia foi um "lancinante divisor de águas" no modernismo brasileiro. Não apenas por causa do ato de consciencialização que significa a "descida antropofágica" - o deslocamento do objeto estético, ainda predominante na fase pau-brasil, para discussões relacionadas com o sujeito social e coletivo - como também pelas opiniões divergentes que gera e que é causa de futuros desentendimentos entre os modernistas. Sem dúvida, o caráter assistemático e o estilo telegráfico utilizados pelo escritor para dar forma a seu ideário antropofágico de certo modo contribuem para a ocorrência de uma série de mal-entendidos. No entanto, a multiplicidade de interpretações proporcionada pela justaposição de imagens e conceitos é coerente com a aversão de Oswald de Andrade ao discurso lógico-linear herdado da colonização europeia. Sua trajetória artística indica que há coerência na loucura antropofágica - e sentido em seu não-senso.
Legado[editar]
À parte, talvez, o Concretismo dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que, segundo João Cabral de Mello Neto prestou um serviço sem par à poesia brasileira, a Antropofagia foi o mais consequente movimento dentro do modernismo brasileiro, fundando uma identidade cultural que teve reflexos na música brasileira, por exemplo, sendo a Bossa Nova e o Tropicalismo dois casos típicos de concretização dos ideais de "deglutição" ou "devoração crítica" propostos por Oswald de Andrade

Post Scriptum
Fuente -



 
Ainda no que se refere ao cinema, Oswald de Andrade flertou com a montagem de cenas, típica desse meio, nas seqüências narrativas de suas obras, mais especificamente nas duas primeiras partes de Os condenados e no clássico Memórias sentimentais de João Miramar. Todavia, bem a sua maneira satírica e paródica, foi impreciso em conceituar a técnica, como Antonio Candido nota no ensaio "Estouro e Libertação":
Certa vez, em entrevista, o sr. Oswald de Andrade referiu-se ao fato de ter lançado a técnica contrapúntica no romance. Não me parece exato. Seria mais certo dizer, como já se disse, que lançou, ostensivamente e em larga escala (no Brasil, pelo menos), a técnica cinematográfica.18
Em tempo, convém lembrar que os procedimentos cinematográficos – especificamente a maneira de captar imagens e a edição procedente – foram determinantes na constituição de novas formas e idéias nos romances que surgiram no século XX.
E os expedientes não param por aí, há uma gama de outros autores que chegaram a usar de algum artifício em específico, pré-concebido, na construção do texto literário, porém, não o designaram, ao menos não em público. Thomas Mann, por exemplo, que aproveitou o recurso do "dodecafonismo" - desenvolvido por Arnold Schoenberg (1874-1951) na música - para a elaboração de Doctor Fausto, mas que no entanto deixou de denominar sua artimanha - revelando a proposta somente em Diário de um romance.
18 CANDIDO, Antonio. Brigada Ligeira e outros escritos. São Paulo: Unesp, 1992. p. 20.
63Todavia, é possível afirmar que entre as técnicas empregadas em romances, uma das mais inusitadas, sem dúvida, é o "cut-up".
O cut-up, o "recorte", teve seu nascimento nas artes-plásticas com Brion Gysin, amigo próximo de William Burroughs, que havia sistematizado uma maneira outra de agir sobre a tela, que consistia em dispor recortes de jornais e outros, sobre sua superfície, para em seguida aplicar uma, ou mais, emulsão cromática. Técnica não de todo inédita, pois Pablo Picasso e Georges Braque, entre o "outono de 1912 e a primavera de 1913", produziram telas montadas a partir de: [...] materiais ‘usados’, como jornal, rótulos, e cartão. Também são utilizados palavras letras e tipografia. Como essas obras não podiam ser incluídas na categoria de objeto de arte convencionais, foi cunhada uma
‘nova’ categoria: papiers collés, ‘papéis colados’ ou ‘colagens’. [...] Os
critérios aceitos para os media artísticos estavam sendo questionados quando não revistos. O mesmo se dava, ao que parecia, com as noções convencionais de ‘representação’. 19 Como se pode ver, o Cubismo é uma das vanguardas do começo do século XX, cuja concepção artística auxiliou a fundamentar o método do cut-up. E não se restringe às colagens, mas também englobam as considerações referentes às novas e revolucionárias perspectivas, no campo artístico, em encarar e representar os fenômenos e objetos. A sistematização da técnica cut-up ainda se filia a outra manifestação de vanguarda, o
Dadaísmo, que trouxe à tona dois ardis que sobremaneira inspiraram Burroughs, a saber: o conceito de readymade20 de Marcel Duchamp, e a "receita" de "Como fazer um poema dadaísta" de Tristan Tzara.
Sincrônica à pintura em estilo cut-up, estava a realização de poemas elaborados de
maneira análoga, cujos resultados logo entusiasmaram Burroughs, inclusive, pelo caráter de destituição autoral sobre os versos, que eram retirados de seu contexto original - quase FRASCINA, Francis. Realismo e ideologia: uma introdução à semiótica e ao cubismo. In: FRASCINA, F. et.al. Primitivismo, Cubismo, Abstração: começo do século XX. Tradução Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. p.87.20
O "objeto-pronto": objeto retirado do contexto original e exposto em outro, a estabelecer novos entendimentos conceituais e indagações artísticas.
sempre de autoria de poetas consagrados - e rearranjados com outros diferentes.
Essas "poesias-montagens" possuíam a intenção de expandir o sentido semântico das palavras contidas nos excertos, privilegiando o detalhe, além de apresentarem implicações acerca de questionamentos extra-artísticos.
Nessas "poesias" não se poupava o emprego de trechos das mais diversas procedências
– da Bíblia a bulas de remédio –, a fim de alcançar a impressão de simultaneidade, típica da modernidade, em que cotidianamente somos bombardeados por avisos, anúncios,propagandas, diretrizes e demais mensagens diretas e subliminares. Essa cacofonia do mundo moderno, como sabemos, é produzida graças aos diversos meios de comunicação, como o rádio, televisão, alto-falantes, outdoors, panfletos etc.
Assim, Burroughs também utilizou gravadores para misturar diferentes sons, falas e discursos, colhidos no cotidiano, para em seguida transcrever a cacofonia que lhe interessava.
Uma outra intenção, presente nesses poemas e escritos elaborados de maneira aleatória, é o desejo em representar o fenômeno das sensações despertadas quando presenciamos um evento, contemplamos uma paisagem ou vemos um objeto. Em outras palavras, por meio desse processo salienta-se o fato de não sermos receptáculos passivos do que é observado, mas seres em interação com o meio em que nos encontramos, na medida em que esse contexto nos desperta sentimentos e lembranças, não de maneira linear e estanque, mas conforme a memória vai aleatoriamente sendo estimulada.
Essas são características que legitimam a técnica do cut-up ou RECORTE enquanto produção
tipicamente modernista


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