quarta-feira, 10 de julho de 2013

Porque um dia Mallarmé ''escreveu'' uma página em branco


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O livro constituído de folhas móveis. Poderíamos mudá-las de lugar e lê-las, certamente não por uma ordem qualquer, mas segundo várias ordens distintas, determinadas por leis de permuta. O livro é sempre outro, muda-se e troca-se ao confronto da diversidade das suas partes, e assim se evita o movimento linear – o sentido único – da leitura. Além do mais, o livro, desdobrando-se de novo, dispersando-se e reunindo-se, mostra que não tem qualquer realidade substancial: nunca esta aí, incessantemente a desfazer-se enquanto se faz (p. 254).
Blanchot


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Pela primeira vez, o espaço interior do pensamento e da linguagem é representado de uma maneira sensível A "distância... que mentalmente separa grupos de palavras ou palavras entre elas" é visível tipograficamente, assim como a importância de tais termos, seu poder de afirmação, a aceleração de suas relações, sua concentração, seu espalhamento, enfim a reprodução, pela aparência das palavras e por seu ritmo, do objeto que elas designam
(BLANCHOT, 2005, p. 354).

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Ler –
Esta prática – Apoiar-se, a partir da página, no branco, que a inaugura, sua ingenuidade, a si mesma, esquecida do título que falará muito alto: quando se alinhar, numa ruptura, a menor, disseminada, o acaso vencido palavra por palavra, infalivelmente o branco retorna [...] Virgindade que solitariamente, diante de uma transparência do olhar adequado, ela mesma se dividiu em seus fragmentos de candura, um e outro, provas nupciais da Ideia
(MALLARMÉ, 1945, p. 386)9.
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O universo é um livro, diz a sabedoria: todo livro contém o universo. É preciso recordar que o traço negro de cada palavra se torna inteligível no livro graças ao branco da página. Esse branco de que a palavra brota e en que acaba por desaparecer o Silencio Primordial. Princípio e fim de cada criatura, de todo o criado, o branco escreve para nós o fundamental de toda escritura: o círculo de mistério que envolve nossa existencia. A qualidade de qualquer escritura depende da medida em que tramite o mistério, esse silencio que não é ela. Seu esplendor é enriquecedora abdicação de si. E essa resulta evidente no tipo de leitura que permite e exige. A palavra portadora de mistério demanda uma leitura lenta, que se interrompe para meditar, tratar de absorver o incomensurável: pede releitura, consideração do branco.
Héctor Alvarez Mureña



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