quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Belo Monte foi proposta por trambiqueiros há mais de 20 anos


 
As questões levantadas nesse texto de 2009 mantêm, parece-me, sua atualidade e urgência, pois a  extrapolação das tendências atuais na redução da biodiversidade implica um desfecho para a civilização dentro dos próximos cem anos.
 
Ao final do texto, um panorama atualizado da questão e as últimas notícias sobre a obra.  

Entrevista especial com Oswaldo Sevá

"Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente". A afirmação é do professor Oswaldo Sevá, que faz, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, uma crítica à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Entre as consequências que a obra gerará, Sevá destaca que um lugar belíssimo cenário conhecido como Volta Grande do Xingú será completamente modificado. Ele indaga: "Porque pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem?". E, em seguida, responde, apontando que este projeto é absurdo, "foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro".

Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, lhe concedeu o título de Livre-docência. Em seu site, o professor disponibiliza alguns arquivos sobre hidrelétricas em geral e sobre os projetos do rio Xingu. Sevá organizou três livros: TENOTÃ-MÕ. Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (São Paulo: International rivers Network, 2005); Riscos Técnicos coletivos ambientais na região de Campinas, SP (Campinas, SP: NEPAM - Unicamp, 1997); e Risco Ambiental - Roteiro para avaliação das condições de vida e de trabalho em três regiões : ABC/ SP, Belo Horizonte e Vale do Aço, MG, Recôncavo Baiano/BA (São Paulo: INSTY-Instituto Nacional de Saúde no Trabalho/CUT, 1992).

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais falhas no projeto de Belo Monte?

Oswaldo Sevá – O projeto é completamente absurdo. Um projeto de hidrelétrica, atualmente, deveria ter outros critérios. Esse é um projeto velho, que foi desenhado pela primeira vez no final dos anos 1970. Primeiro foi feito o inventário para calcular o potencial hidráulico do Xingu, que é baseado em uma concepção que já existe alguns lugares no Brasil, como sobre o rio Jacuí, no Rio Grande do Sul. Se pega o meandro do rio, corta-se esse meandro, desviando a água por uma das margens, para se colocar as turbinas em uma casa de força, depois do meandro. Começa por não se tratar de um projeto de uma hidrelétrica qualquer, não tem nada de parecido com Itaipu, nem com Tucuruí, por exemplo. Não é uma usina que tem um único barramento, um prédio de concreto com as máquinas da casa de força e com vertedouros para o escoamento das cheias. É totalmente diferente disso.

Este projeto é muito mais parecido com o projeto da Usina Dona Francisca, no rio Jacuí, mas em uma dimensão cem vezes maior. Ele pega uma ideia da Volta Grande do Xingu. Esta pode ser enxergada a partir do satélite e aparece em qualquer mapa do Brasil, onde se vê o rio Xingu seguindo para o norte e descendo em direção ao rio Amazonas, de repente ele é obrigado a fazer uma volta de quase 200 quilômetros, chega a correr novamente para o sul, depois recomeça e aí retoma o rumo que ele tinha, fechando quase um anel completo, por isso chamado de Volta Grande. É um dos monumentos paisagísticos e fluviais do nosso planeta.

O projeto é absurdo porque pretende pegar um monumento fluvial, um lugar maravilhoso com cachoeiras de vários quilômetros de largura cada uma, com ilhas, arquipélagos florestados com morros dentro do rio, e pretende considerar que isso deve ser aproveitado para se fazer energia elétrica, simplesmente destruindo, fazendo uma coisa igual ou pior que Itaipu fez com as Cataratas das Sete Quedas do rio Paraná. Se fizermos isso com a Volta Grande, do Xingu, estaremos decretando a destruição de um dos lugares mais maravilhosos do mundo. Ninguém barrou as cataratas do Iguaçu, que eu saiba nem existe proposta para barrar, as cataratas do Niágara, nos Estados Unidos, as cataratas de Victória Falls no rio Zambezi, na África, portanto não tem que barrar e nem destruir a Volta Grande do Xingu. Isto é fácil de explicar desde que as pessoas estejam dispostas a considerar o planeta, os rios, a Amazônia, o que temos no mundo e o que as futuras gerações terão. Para discutir em termos de energia elétrica, custos e habilidade econômica, daria para fazer um rosário de argumentos.
IHU On-Line – Que critérios deve ter um projeto de hidrelétrica?

Oswaldo Sevá – Acho que não existem critérios. Quando se fizeram a maioria das hidrelétricas brasileiras, entre os anos 1940 e 1980, o único critério que vigorava era medir a velocidade do rio, o desnível que existia, e construir uma usina de tal maneira que aproveitasse o máximo possível esta vazão. Este critério é de uma determinada época, já passou, porque, na maioria dos lugares em que permitia fazer isso, já foi feito. Não é um problema de falta de critério, é de visão de mundo. As pessoa s chegam lá, os burocratas, engenheiros, calculistas, as empresas que ganham dinheiro fazendo obras e vendendo eletricidade, olham um lugar maravilhoso como aquele, e só fazem contas, acham que vão conseguir modificar a geografia e o relevo daquele lugar de tal forma que isso vire um empreendimento rentável. Mesmo que fosse decidido fazer alguma obra lá, jamais deveria ser deste tamanho e com esta concepção. Ainda tenho muita esperança que os bancos financiadores e as entidades seguradoras vão descobrir isso, que é um projeto totalmente inviável do ponto de vista econômico exatamente porque é absurdo como projeto de engenharia. É um projeto que nem o próprio governo é capaz de dizer, até hoje, quanto irá custar. Até um ano atrás diziam uma mentira, que custaria sete bilhões de reais, depois passaram a dizer que iria custar onze, atualmente dizem que vai custar dezesseis, mas todo mundo sabe que vai custar pelo menos trinta. Tudo isso é o resultado de um processo completamente descontrolado de mentiras, de argumentos falaciosos, de falsidades que foram sendo construídas nos últimos vinte anos. É como se fosse um castelo de areia que está começando a ruir. Ainda bem.
IHU On-Line – E que debates foram feitos na época em que Itaipu foi construída?

Oswaldo Sevá – Quando Itaipu foi construída, eu tinha acabado de me formar em Engenharia Mecânica, começava a dar aula em universidades e ainda não era um especialista na área de energia, embora prestasse muita atenção na natureza. Itaipu foi construída como resultado da união dos esforços de duas ditaduras militares, com meia dúzia de grandes empresas internacionais e mais a empresa brasileira Camargo Correa, que se tornou, a partir daí, uma multinacional. Foi resultado de duas ditaduras sangrentas, como foram a do ditador Stroessner, no Paraguai, e, no Brasil após o massivo período do Médici e do Geisel. Foram eles que decidiram fazer o que era melhor possível do ponto de vista do capitalismo da época e dos lucros das empresas que iam construir e vender os equipamentos, e simplesmente desprezaram qualquer critério de bom senso.

Itaipu nunca teve nenhuma cachoeira, na realidade era um trecho do rio em que as costas eram um pouco mais íngremes, formavam uma espécie de desfiladeiro natural com uma vazão muito grande. Foi necessário construir um prédio de 120 metros de altura, com mais de um quilômetro de largura, para fazer uma queda totalmente artificial que ali não existia. Lá no começo da represa de Itaipu, colocaram Sete Quedas embaixo d’água. Se tivessem feito ela trinta ou quarenta metros mais baixa, geraria 60 ou 70% da energia que gera e estariam ainda livres para visitação de milhões de turistas por ano, que iam deixar lá tanto dinheiro, praticamente o quanto se ganha com a venda de eletricidade, e estaria preservado aquele monumento fluvial para o resto da história do planeta. Faço questão de insistir nisso. As pessoas ficam querendo discutir, dialogar com o governo e as empresas no mesmo terreno. Eu faço questão de dizer que estou em outro terreno, em que eles não são capazes de dizer nada. Estou no terreno da ética e da civilização. Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente.
IHU On-Line – O que a obra de Belo Monte trará para o rio Xingu?

Oswaldo Sevá – É difícil saber o que uma obra feita em um ponto determinado do rio traz de consequência como um todo. O rio Xingu tem 2.300 quilômetros de comprimento, começa perto de Cuiabá, no planalto mato-grossense. O início dele está muito comprometido com o agronegócio, com a expansão do plantio de soja, de milho, e depois tem um pedaço grande, relativamente preservado, o nde fica o parque indígena do Xingu. Graças a Deus, foi criado um parque com uma área imensa, um conjunto de terras indígenas que já estão homologadas há quase 50 anos, e que é um pedaço que está muito mais preservado. Depois ele entra em um trecho encachoeirado, com quase 1.000 quilômetros ao longo do estado do Pará, e, lá no final deste trecho, um pouco antes dele desembocar no rio Amazonas, é que tem esta Volta Grande, onde a obra será construída.

Para o rio como um todo, se for feita, seria a primeira grande barragem, e iria interromper o fluxo natural do rio com consequências mais locais onde seria interrompido. Será a primeira barragem, mas não vai parar por aí porque se conseguirem fazer esta ninguém segura mais depois. Nos próximos vinte, trinta e quarenta anos vão ser feitas as outras quatro barragens que já foram calculadas e projetadas. Todo o rio brasileiro que tem uma barragem acaba tendo várias outras, não conheço históri a de um rio que tenha uma só. Nem o rio Jacuí, o rio Uruguai, o Iguaçu, o Paranapanema, o São Francisco e o Tocantins. Isto é uma empulhação que o governo federal resolveu fazer de um ano pra cá, de dizer que iriam fazer uma só. É tudo mentira, e ainda com a resolução que não tem menor valor de lei, de um conselho ministerial que praticamente não se reúne.

Então, se várias barragens forem feitas, o rio será destruído, passa a ser uma sucessão de lagos, de represas, como são vários rios brasileiros. Eles têm muita utilidade, podem gerar energia, criar peixes, podem ter hospedagem de classe média ou até de luxo na beira do rio para fazer turismo, mas deixa de ser um rio. Muitas vezes, a água apodrece, as espécies de peixe mudam, mas isso é um assunto para pessoas que são da área de ciências naturais, eles é que sabem dir eito qual é a consequência, mas só perder a Volta Grande já é uma algo enorme. O rio vai perder o seu principal trecho encachoeirado, uma parte dele vai ficar dentro d’água, e outra vai ficar sem água, completamente seca. As pessoas que moram lá não vão aguentar porque não vão ter nem água de poço para beber. Tem aspectos da vida local que também não estão sendo muito falados. Aquilo vai virar um inferno se, por acaso, a obra for feita, pois, as pessoas não vão mais ter condições de morar na região. Quem estiver na área alagada tem que sair, quem estiver na área seca vai sair também, pois será impossível de viver.
IHU On-Line – Um pesquisador afirmou que somente 39% da potência instalada de Belo Monte se transformará em energia firme. O que será feito com o resto?

Oswaldo Sevá – Sobre discussão de energia firme acho o seguinte: estudei isso durante muito tempo, sou engenheiro mecânico, dou aula de energia na UNICAMP há muitos anos, acompanho várias obras e já conversei com pessoas que operam usinas hidrelétricas. Pouquíssimas pessoas no Brasil têm um conhecimento sofisticado, profundo, do funcionamento dos rios ao longo do ano, para poder afirmar que uma coisa que não existe ainda, no futuro, só terá uma determinada potência que é "x" % da potência das máquinas. Essa é uma questão que serve para ficarmos dizendo como a usina é mal projetada, mas não é por aí, pois, qualquer hidrelétrica tem muito mais máquinas do que precisa, porque, às vezes, elas têm que parar para manutenção. É preciso ter reservas. Durante o verão amazônico, pode acontecer de o rio Xingu não ter água suficiente para virar qualquer uma das máquinas previstas.

Agora, voltamos à questão: Por que pretendem instalar onze mil megawatts? Por que pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem? Porque é um projeto absurdo, foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro e está pensando em criar as coisas mais absurdas do mundo e que vai conseguir usar o dinheiro público para isso, e assim, ganhar dinheiro fazendo essas obras. É um problema de concepção. Vamos fazer as maiores obras de Engenharia Civil para ter a maior de todas, que é o jeito que encontraram para ganhar mais dinheiro. É uma coisa relativamente sim ples para qualquer cidadão entender. Estamos numa situação difícil de quase esquizofrenia para a sociedade, pois, Belo Monte foi proposto por megalômanos e trambiqueiros há mais de 20 anos, que continuaram a mentir para todo mundo do governo – que acreditam nas mentiras – e agora está chegando a hora da verdade, ou seja, o projeto começa a ser conhecido, mais detalhado e, ainda assim, não se tem a ideia do custo.

Esse é o indicador mais evidente dessa esquizofrenia. O governo diz que vai colocar a leilão a energia de Belo Monte daqui dois ou três meses e até hoje ninguém sabe quanto ele vai custar. Não existe isso em lugar nenhum no mundo. Esse é um sintoma de insanidade mental que foi mantida durante 20 anos. Podemos ficar horas falando dos impactos aqui e ali, inclusive sobre a energia firme que você levantou nessa questão. Ac ho, inclusive, que a maioria dos que estão falando da energia firme conhece muito pouco o problema. Aqui na Unicamp, onde eu trabalho, deve ter três ou quatro pessoas só que entendem direitinho do funcionamento dos rios e que seriam capazes de dizer alguma coisa a respeito disso. As simulações que fizemos aqui na Faculdade de Engenharia Elétrica são totalmente diferentes dos cálculos do governo.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre as audiências públicas que foram feitas sobre a construção de Belo Monte?

Oswaldo Sevá – Eu estava analisando de longe, pois não pude participar porque há alguns meses fiz uma cirurgia muito pesada e estou em fase de tratamento. Fiquei na retaguarda, recebendo noticias e fotografias. Já participei de muitas audiências públicas em São Paulo, as audiências que são feitas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo são muito mais organizadas e democráticas nesse sentido. O tempo de apresentação dos empreendedores e das entidades ambientalistas é mais ou menos equiparado. Os políticos não falam no começo da audiência, porque ela é técnica. Além disso, as quais participei, tiveram um caráter informativo maior porque fazia-se uma série de observações, assim, o empreendedor tinha o direito de replicar, e as entidades ambientalistas tinham direito a treplicar. Eram muito interessantes, muitas delas foram tensas, tiveram a presença da polícia. Mas nas audiências de lá, estavam todos morrendo de medo, de novo, que os índios fossem lá fazer aquela covardia como fizeram em maio de 2008 e machucaram o engenheiro da Eletrobrás. Com isso, botaram cerca de 400 policiais, guardas nac ionais, agentes da ABIN e polícia federal para proteger os caras do IBAMA e empreendedores. Então, é difícil imaginar uma audiência verdadeira com um clima desses.

A audiência não pesa no licenciamento. Ela é uma espécie de mise-en-scène que o empreendedor faz questão que seja realizado, porque depois tem que demonstrar que houve participação pública, e que o IBAMA também faz questão de realizar para ter um álibi. Mas a decisão, no caso de Belo Monte, já está tomada lá em cima, lá na Casa Civil, que já mandou dizer ao Carlos Minc logo que entrou no Ministério, que Belo Monte vai ter a licença prévia ambiental concedida. No fundo, você pode dizer que é uma palhaçada, porque as pessoas que levam a sério vão lá, gastam dinheiro do próprio bolso, mas, para o IBAMA e para os empree ndedores, aquilo é um teatro, porque já está tudo resolvido. O IBAMA vai conceder a licença prévia, só não vai fazer isso se acontecer algum terremoto. Essa decisão é do governo. A audiência é um meio para desgastar e é, também, um álibi. É uma pena, porque poderia ser de fato um momento para haver um debate.
Usina de mudanças

O projeto hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, terá mais do que a missão de garantir a oferta de nova energia para a expansão da economia brasileira. A construção desse gigante, com impactos sobre 11 municípios e nove terras indígenas no norte do Pará, significará uma mudança completa da geografia econômica do Brasil, e sobretudo da Amazônia.

A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.

Está será a maior obra de infraestrutura já realizada no país desde Itaipu e um teste para o que o governo sugere ser um novo modelo de "ocupação e uso sustentável" de uma região com baixíssimos índices de desenvolvimento e, em parte, já corroída pela exploração desordenada.

Se liberado pelo Ibama dentro de algumas semanas - como espera o governo -, Belo Monte será o 3º maior empreendimento hidrelétrico do planeta, com 11,2 mil MW, só aquém do projeto chinês de Três Gargantas (18 mil MW) e de Itaipu (14 mil MW). A obra vai exigir uma das maiores engenharias financeiras já montadas no hemisfério Sul. Demandará, segundo estimativas do governo, R$ 20 bilhões ou mais. O valor final será divulgado nesta semana.

Na Volta Grande, zona de transição entre o médio e o baixo rio Xingu, o projeto inspira reações diversas, da apreensão à euforia. A obra afetará áreas indígenas, desmatará grandes áreas de floresta e secará parte do rio Xingu. Promete, de outra parte, levar empregos e infraestrutura a uma região miserável que parece abandonada pelo Estado brasileiro.

A usina só ficará pronta depois de uma década de obras. Os números são superlativos. A movimentação de terra (150 milhões de metros cúbicos) e de rocha (60 milhões de metros cúbicos) será superior à que foi necessária para a construção dos 82 quilômetros do Canal do Panamá, que rasga a América Central e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. O empreendedor terá de movimentar 310 milhões de toneladas, o equivalente a mais de duas safras de grãos do país.
A previsão é que Belo Monte mobilize 100 mil pessoas, incluídos os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do "novo Eldorado".
Projeto militar

Para os críticos, essa parece ser uma conta subestimada. Avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas.

Rabiscado pela primeira vez em 1975, quando o governo militar lançou grandes planos de ocupação da Amazônia, o projeto deve finalmente sair do papel em dezembro, após um dos maiores leilões públicos a ser realizado no país, em ato que concretiza um sonho do governo Lula. Grupos nacionais e internacionais de infraestrutura estudam participar do projeto.

Maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte promete retomar e consolidar -despertando preocupação em ambientalistas- o plano nacional de ocupação amazônica.

Os principais objetivos do projeto, segundo o governo, são nutrir o sistema elétrico brasileiro com farto potencial de hidroeletricidade e possibilitar a industrialização da Amazônia.

Aliado do projeto, o governo do Pará impõe como condição o fornecimento de energia barata para grandes mineradores. No governo, a tendência é que o pedido seja aceito.

"O Brasil pode retomar um caminho que tínhamos abandonado. Um potencial hidrelétrico como o que temos na região Norte precisa ser explorado. Não é razoável que fiquemos comprando energia térmica quando temos uma opção renovável", diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Para os opositores, o problema é o modelo. "O que está em discussão não é só a usina de Belo Monte mas o modelo de desenvolvimento que está por trás do projeto. O impressionante é que de alguma maneira o plano repete o modelo de ocupação visto no período militar", diz Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, procurador do Ministério Público Federal em Altamira (PA). A região teme a repetição de desastres ambientais como os ocorridos em Tucuruí (PA) e Balbina (AM).

A esperança do governo federal é a de que da Amazônia - 4% do território da Terra - venham os 4.000 MW anuais de que o país precisa para expandir o parque gerador nacional e assim manter distante qualquer ameaça de apagão.

Com 12% da água doce do planeta, o país já concluiu que 70% da disponibilidade de hidrelétricas ainda não foi aproveitada e que 66% dessa riqueza fica no Norte. Por isso, após os projetos do Madeira (6.400 MW) e de Belo Monte, deve vir o próximo: o complexo hidrelétrico Tapajós. E este não com uma, mas com cinco usinas.


Produção de energia em usina sofrerá fortes oscilações

A grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina "vaga-lume". A vazão do rio pode alcançar 20 mil metros cúbicos por segundo no período de cheia, e em outros momentos, como agora, pode baixar a menos de mil metros cúbicos por segundo entre os períodos de setembro a outubro.

A reportagem é de Agnaldo Brito e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2009.

A Grande São Paulo, maior núcleo urbano do país, consome cerca de 60 metros cúbicos de água por segundo. O Xingu, mesmo na baixa, pode abastecer 16 cidades como São Paulo. Mas com essa imensa variação do nível d'água, Belo Monte terá, no período seco, pouca água para movimentar as turbinas.

Para extrair a energia dos 11,2 mil MW, são necessários 14 mil metros cúbicos por segundo de água, condição só possível entre os meses de março e abril, auge do período chuvoso. A previsão é que em outubro a situação seja inversa, de baixíssimo volume d'água, com geração ínfima.

"Como é possível uma usina com tantos problemas ambientais ter uma ociosidade dessa magnitude? Se a vazão do rio baixar mais de 700 metros cúbicos por segundo, o que já ocorreu, Belo Monte produzirá quase como uma pequena central hidrelétrica", critica Francisco Hernanes, pesquisador do IEE/USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo) e um dos coordenadores do grupo de 38 especialistas de várias regiões do país que apresentará ao Ibama suas impressões sobre o projeto até o fim deste mês.

Só a partir dessa particularidade é possível relativizar o tamanho de Belo Monte. Embora a capacidade seja imensa, a energia firme extraída da usina será de 4.428,1 MW, 39,4% da capacidade total, algo próximo às usinas do Madeira (Jirau e Santo Antônio). Essa potência com que o país poderá de fato contar é 7,5% menor do que havia desejado a Eletrobrás.

A área ambiental exigiu a liberação de pelo menos 700 m3/s para o trecho de vazão reduzida do Xingu, para a Volta Grande. A barragem vai desviar o rio e vai secar parte dos 100 quilômetros da Volta Grande. No período chuvoso, o volume d'água abaixo da barragem principal será, no máximo, de 4.000 m3/s no primeiro ano e de 8.000 m3/s no ano seguinte. Foi a forma encontrada para se evitar uma catástrofe ambiental, com morte de peixes e da floresta ribeirinha, além de assegurar condições de navegação aos povos da região.

Walter Cardeal, diretor de engenharia da Eletrobrás, não considera esse um problema para a operação da usina. A justificativa: apesar disso, Belo Monte vai revezar com as usinas do Sul e do Sudeste no abastecimento do Sistema Interligado Nacional. "As chuvas na região Norte ocorrem antes das chuvas do Sudeste. Com isso, Belo Monte pode gerar energia enquanto as usinas do Sul e do Sudeste reservam água, e vice-versa", explica.

Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, reconhece o problema, mas justifica que isso ocorre em razão da impossibilidade hoje de construir usinas como Itaipu, com grandes "estoques" de água. Foi isso que reduziu de 1.225 para 516 quilômetros quadrados a área alagada pelo projeto. "O país perde potencial energético, é inevitável. Ou fazemos isso, ou não temos mais hidrelétricas."

Para especialistas, reside aí um dilema. Uma resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determinou a construção apenas de Belo Monte na bacia do rio Xingu. "Quem pode assegurar que, numa eventual crise energética, o CNPE não mude sua posição e aprove outras barragens no Xingu para aproveitar mais a capacidade que ficará ociosa?", disse Hermes Fonseca de Medeiros, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará. Para especialistas, a resolução não é uma garantia.


Veja ainda neste Blog:

Queremos o Xingu vivo para sempre

"É teu povo, Senhor, que eles massacram, é tua herança que eles humilham!"
(Sl 93 (94),5).

Sarney, Minc, Dilma e a hidrelétrica de Belo Monte


"Devido às fortes secas do Xingu, na maior parte do tempo Belo Monte seria a grande hidrelétrica mais improdutiva do mundo, considerando-se a relação entre a produção de energia e a capacidade instalada", escreve Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, professor da Universidade Federal do Pará, em artigo publicado por EcoDebate, 29-06-2009. Ele pergunta: "Então, por que a ministra Dilma investe tanto na construção da hidrelétrica de Belo Monte?"

Eis o artigo.

Há poucas semanas eu protestava contra o absurdo de o governo federal ter marcado já para setembro ou outubro a licitação para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, uma vez que o componente antropológico do estudo de impacto ambiental ainda não está sequer concluído. O componente antropológico é a parte que trata do impacto da barragem sobre os povos que vivem na região, como os indígenas, e é um dos aspectos mais sensíveis da questão. Apesar disso, ao contrário da maior parte do Brasil, onde só havia motivos para se lamentar no Dia Mundial do Meio Ambiente, aqui no Xingu, o dia 5 de junho teve manifestações em clima de festa por conta da ordem da Justiça de Altamira (PA) que, atendendo ao pedido do procurador Rodrigo T. da Costa e Silva, mandou suspender o licenciamento da obra até que este trabalho seja concluído, como manda a lei.

Mais recentemente, outra boa notícia: o funcionário do Ibama que aceitou indevidamente os estudos de Belo Monte foi indiciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal no Pará. As vitórias foram comemoradas com queima de fogos em vários pontos da cidade, mas ninguém aqui se ilude. Apesar dos vivas ao Ministério Público do Pará, sabemos que se trata apenas de um breve alívio para o Xingu. Como ser mais otimista se o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, já disse que derrubaria esta liminar em poucos dias e que a usina hidrelétrica vai receber o licenciamento ambiental a tempo de participar do leilão de energia, previsto para setembro?

Enquanto isso, circulam pela cidade de Vitória do Xingu montes de homens de capacete demarcando a área onde se pretende construir 2.500 casas para abrigar os trabalhadores que levantarão a usina, sinal evidente da ilegalidade, afoiteza, e da gente "não oficial" a serviço das empreiteiras, já fazendo o serviço sujo para avançar ao máximo as preliminares de forma a tentar tornar a desgraça irreversível. Mais material para uma boa denúncia aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, aos juízes e ao próprio Ibama, uma vez que este tipo de atitude está sendo tomada antes mesmo da concessão da licença prévia, e muito antes da licença de instalação.

A grande imprensa noticiou sem destaque a decisão da Justiça. Tanto a Folha quanto o Estadão publicaram a notícia apenas nos cadernos de economia. A Folha desqualificou a questão indígena como um "entrave" para a construção da usina e ambos os jornais repetiram a falácia de que Belo Monte terá uma potência de 11.181 MW. Na verdade esse valor só poderia ser alcançado pela usina durante um breve período do ano. Devido às fortes secas do Xingu, na maior parte do tempo Belo Monte seria a grande hidrelétrica mais improdutiva do mundo, considerando-se a relação entre a produção de energia e a capacidade instalada.

A última do Minc foi dizer à ministra Dilma Roussef que vetará o projeto para a construção da usina hidrelétrica de Torixoréu (MT) – da qual nem se ouvia falar – e, em troca (!), dará liberação da licença ambiental prévia para a Hidrelétrica de Belo Monte, assim que a liminar for cassada. É como se resolvesse entregar o nosso braço direito aos tubarões, em troca de um dedo da mão esquerda. Recentemente falou que "nunca se deu tanta licença na história desse país", adaptando o lema do chefe ao seu triste papel "na história deste país". Segundo um mal informado Minc, "o juiz acatou pedido de uma ONG contra a audiência pública alegando que não havia sido entregue um estudo sobre a questão indígena. E o estudo foi entregue". Só que o estudo não havia de fato sido entregue. E o Ministério Público do Pará não é uma ONG. Ainda segundo o ministro, "Belo Monte é um problemão antigo no quesito ambiental e sempre vai haver conflito, senão é piquenique sem formiga". Antes de assumir, o ministro dizia que não entendia nada de Amazônia. Então suponho que ele não imagina o tanto de formigas que haverá nesse seu piquenique no Xingu, nem o grau de ferocidade delas. E serão tantas que infernizarão a vida daqueles que pretendem vir aqui "fazer um lanche".

Não é à toa que o Xingu é o grande rio dos índios, onde eles mantiveram mais terras do que em qualquer lugar. Não foi por causa da benevolência do conquistador, mas pela ferocidade destes povos quando o assunto é defesa de suas terras. E agora eles vão novamente se levantar. O governo que insistir em construir a hidrelétrica de Belo Monte inevitavelmente protagonizará cenas tristes como aquelas recentemente vistas no Peru, com índios sendo abatidos pela polícia de helicóptero. E este pode ser o destino de um possível governo de Dilma Rouseff, que está investindo fichas neste projeto arriscado.

Então, por que a ministra Dilma investe tanto na construção da hidrelétrica de Belo Monte? A força política da ministra vem do presidente Lula, que tem sua maior base de apoio no Nordeste. Belo Monte é uma peça fundamental do plano de conquista e colonização da Amazônia através da Rodovia Transamazônica, que é a entrada do Nordeste para esta região, diferentemente das BR-163 e 363, que partem do Sul para o Norte. Assim, esta obra se tornou fundamental para alavancar sua candidatura à presidência. Politicamente falando seria mais sensato, até para evitar as tais cenas de massacres de índios, investirem primeiro na construção das hidrelétricas do Madeira, que já estão em uma fase mais avançada e que já serão um desastre de grandes dimensões sob o ponto de vista ambiental. Dificilmente o governo teria como bancar politicamente estas grandes obras ao mesmo tempo. Mas Dilma já está totalmente atrelada a esta idéia. Por isso sinto calafrios quando vejo suas percentagens de intenção de votos crescerem.

Além dos custos sociais e ambientais discutidos, os custos propriamente econômicos de Belo Monte vão crescendo e se revelando estratosféricos. A última notícia é que a nova estimativa do custo da obra é R$ 30 bilhões, segundo a Alstom, gigante fornecedora de equipamentos para usinas hidrelétricas, que já está negociando com as empresas interessadas em participar da disputa da usina. Agora, as empresas concorrendo para entrar no leilão, estão admitindo que o custo da energia deva ser bem mais alto do que o das hidrelétricas do rio Madeira. Isso vai ficando mais claro à medida que empresas e bancos começam a fazer as contas de modo um pouco mais realista.

Pode-se argumentar que este é o custo da instalação das bases de um país moderno e desenvolvido. Mas está longe de ser o caso aqui. A Alstom é investigada por corrupção na Suíça, na França e no Brasil.[

Recentemente foi condenada no Tribunal de Contas de São Paulo pelo pagamento de propinas a políticos em troca de favorecimentos em encomendas públicas para as obras do Metrô. A Eletronorte, a Eletrobrás, o Ministério das Minas e Energia, a ANEEL, a Camargo Correa e a Elabore estão tomados por mentirosos doentios que nos empurram goela abaixo este projeto catastrófico e injustificável, inclusive financeiramente falando. São paus-mandados do grupo de Sarney, que hoje nos envergonha com os escândalos no Senado. Mas aquilo que vemos no noticiário na TV é apenas a ponta do iceberg. Apesar de toda polêmica em torno da construção de hidrelétricas no Xingu, em 2005 o Senado aprovou a construção de Belo Monte em regime de urgência. A relatoria ficou a cargo de quem? José Sarney. É essa turma que se perpetuaria com a eleição de Dilma Roussef, que também tornaria mais provável a tragédia da construção desta hidrelétrica no rio Xingu.

 



Os povos indígenas do Xingu e a hidrelétrica Belo MontePor: Dom Erwin Krautler
(Bispo do Xingu e presidente do Cimi)


(Publicado por Agência Amazônia)

O Xingu é um rio peculiar e único. Não dá para compará-lo com qualquer outro rio da Amazônia. Só ele faz aliança com o majestoso Amazonas através de um largo delta. Na foz, suas lindas águas verde-esmeralda se mesclam com as águas barrentas do rio-mar no qual se perde finalmente acima do Forte de Santo Antônio de Gurupá. Percorreu 2045 km desde o Mato Grosso, onde nasce a 600 metros acima do nível do mar na junção da Serra do Roncador com a Serra Formosa.

O Xingu é misterioso. Seu nome até hoje não tem explicação etimológica. Alguns estudiosos querem traduzi-lo como "casa dos deuses" ou melhor "Casa de Deus", mas não se tem certeza qual seria a verdadeira raiz subjacente a este nome. Suas águas ora são calmas e pacíficas formando extensos lagos, ora furiosas e indômitas quando se estreitam em perigosas cachoeiras que já ceifaram muitas vidas de viajantes desavisados ou afoitos que teimaram enfrentá-las. Pode ser que não seja a Casa de Deus, mas que é um rio sagrado para os povos que habitam nas suas margens há milhares de anos, quem teria a ousadia de negar!


O Xingu narra a história do paraíso de antanho e repete as palavras divinas "E Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom" (Gn 1,31). Mas conta também a história da rebelião contra Deus, da prepotência e arrogância dos homens que queriam ser como deuses (cfr. Gn 3,5). Relata ainda a violência assassina que ceifou a vida do irmão e brada pelos séculos afora a palavra de Deus: "Que fizeste! Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim!" (Gn 4,10).

Na realidade, as águas do Xingu deveriam ter a cor do sangue por causa das inúmeras chacinas que se perpetraram ao longo dos séculos passados. A fúria antiindígena assassinou com armas de fogo a índios munidos apenas de arco e flecha e bordunas. Os invasores misturaram nas praças das aldeias com o barro vermelho também o sangue de indefesas mães e mulheres grávidas, jovens e crianças recém-nascidas. Milhares tombaram!

O mundo que se autodenomina de "civilizado" fechou os olhos, mostrou indiferença diante do sangue indígena bradando por justiça, gritando pelo direito de viver, reclamando a pátria que Deus criou para estes povos, defendendo o chão de seus mitos e ritos, chorando a terra onde sepultaram os antepassados. Até hoje o índio é chamado com desprezo de "silvícola", um termo que insinua tratar-se apenas de algum bípede a mais, sem inteligência e livre arbítrio. Grande parte da sociedade envolvente vê ainda os povos indígenas como uma horda de malfeitores, de agressores hostis, selvagens, traiçoeiros, bárbaros, cruéis, não-confiáveis.

A história dos índios é uma história de rios de sangue derramado. Assim, tudo que hoje acontece de desfavorável, de adverso faz emergir do inconsciente coletivo destes povos todo o sofrimento do passado, toda hostilidade de que foram vítimas desde que os europeus fincaram o pé neste continente e os bandeirantes avançaram em todas as direções abrindo caminho a ferro e fogo.

Não faz tanto tempo que o próprio órgão governamental encarregado de proteger os povos indígenas, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), participou de massacres. Foi extinto por causa da repercussão no exterior das escandalosas carnificinas e substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 1967 veio à tona o assim chamado "Massacre do Paralelo 11" que aconteceu em 1965. Um seringalista do Mato Grosso deu ordem para exterminar uma aldeia. Primeiro sobrevoaram o povoado e jogaram bombas, depois entraram na aldeia e mataram a todos. Eu mesmo vi uma fotografia que mostra uma mulher indígena presa pelos pés, de cabeça para baixo, ladeada por dois homens brancos com facões. Esquartejaram a mulher. A mera lembrança da foto me causa arrepios. Isso não aconteceu no tempo dos bandeirantes, mas há apenas pouco mais de quarenta anos.

Naquela mesma década de 60, outra agressão bem planejada aconteceu no Xingu. A ação criminosa nunca foi investigada. Os criminosos não foram identificados e punidos por homicídio qualificado cometido em série. Alguns políticos queriam a todo custo tirar Altamira do ostracismo. A cidade precisava ser ligada através de uma estrada - mesmo que fosse apenas uma picada - com Santarém, o portal a dar acesso ao mundo.

O empecilho para concretizar o intento foram os índios Arara, que viviam na região que hoje coincide com os municípios de Medicilândia e Uruará. Mas, para não frear o progresso, "esses selvagens" tinham que ser "eliminados". Se a expedição avistasse um índio Arara, a ordem era de executá-lo imediatamente! Não se sabe do número exato de índios Arara mortos naquele tempo. Só se sabe que foram muitos. Morreram até eletrocutados quando se aproximaram do barraco da "força expedicionária" circundado por uma cerca de arame conectada com um grupo gerador. Os índios queriam ver os "brancos", seguraram no arame e levaram choques de 220 volts.

A história deste povo que vivia sossegado no meio da mata entre Altamira e Santarém culminou em outra tragédia durante a construção da Transamazônica. A nova rodovia passava a três quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios foram até perseguidos por cachorros. A forçada convivência com o mundo dos brancos trouxe doenças como gripe, tuberculose, malária. Outros tantos morreram. O mundo lá fora, no Brasil e no exterior, nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo. Continuava a aplaudir "a conquista deste gigantesco mundo verde", palavras que constaram da placa afixada no tronco de uma castanheira derrubada quando o presidente da República deu solenemente início aos trabalhos de construção da Transamazônica. A que preço! Nunca me esqueço do dia em corria a notícia de que, finalmente, os "terríveis índios Arara" haviam sido dominados. Como prova de que o "contato" tinha sido um sucesso total, trouxeram uns representantes daquele povo que até então vivia livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo em cima de uma carroça, foram expostos à curiosidade popular como se pertencessem a alguma rara espécie zoológica.

Vivemos em outros tempos. Pelo menos assim pensamos. Celebramos 60 anos de promulgação da Carta Magna dos Direitos Humanos. Qualquer discriminação racial é condenada. É proclamada a igualdade de povos e raças. No Brasil temos desde 1988 uma Constituição Federal em que os direitos indígenas são inscritos no Artigo 231. Foi abolida a tutela de um órgão estatal. Os indígenas, outrora equiparados aos menores de idade e aos deficientes mentais, alcançaram plena cidadania, não precisando mais ser tutelados. Tem todo o direito de ir e vir como qualquer brasileiro. Mesmo assim, enquanto já estamos festejando os 20 anos da Constituição "cidadã", parte da imprensa ainda não se inteirou desta novidade constitucional e há jornais insistindo que "a Polícia Federal deverá pedir explicações à Funai (...) já que o órgão é o tutor legal dos índios brasileiros" [1].

O salto qualitativo da letra constitucional para o chão concreto da realidade em que os povos indígenas vivem ainda não aconteceu. Se uma demarcação de área indígena é concluída com a homologação pelo presidente, prevista em lei, um clamor ensurdecedor se levanta pelo Brasil afora, reclamando que "há muita terra para pouco índio". E o pior aconteceu há algumas semanas em Altamira. Uma rádio local se desdobrou em berrar agressões verbais contra os índios, insultos racistas que fazem inveja ao tratamento destinado aos judeus pelo regime nazista. Pensávamos que tais excessos pertencessem a um passado longínquo e tivessem sido, há muito tempo, extirpados do vocabulário jornalístico. Infelizmente, nos enganamos. A onda antiindígena assume novamente proporções alarmantes.

 

Rio Xingu: um cenário de rara beleza /PEDRO MARTINELLI-ISA


De Kararaô a Belo Monte

Muitos não recordam o tempo a ditadura militar e, já que a memória tem fama de ser curta, poucas pessoas se lembram dos mandos e desmandos dos presidentes plenipotenciários daquela época. Um deles foi o general Emílio Garrastazu Médici. Tornou-se célebre pelo Projeto de Integração Nacional e a construção da rodovia Transamazônica, inaugurada em setembro de 1972. Foi a década do "Integrar para não entregar" e de outro slogan que desencadeou uma migração sem precedência no Brasil. "Terra sem homens para homens sem terra!", exclamava eufórico o general-presidente, o que não deixou de ser um tremendo insulto aos povos indígenas que há milênios habitam a Amazônia. O presidente simplesmente os ignorou, despojou-os da cidadania, negou-lhes a existência, considerou-os definitivamente mortos.

Milhares de famílias rumaram do Nordeste, Centro, Sudeste e Sul para a Amazônia. No entanto, o Projeto de Integração Nacional previu também a construção de barragens. A rodovia cortou os grandes rios nas proximidades das principais quedas d’água. Já em 1975 a Eletronorte contratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar o local exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade de construção de cinco barragens no Xingu e uma no rio Iriri, maior afluente do Xingu. Ao povo do Xingu negou-se qualquer informação mais detalhada. Só se sabia que o governo pretendia tocar a construção o quanto antes possível.

Os povos indígenas reagiram pela primeira vez em 1989. Vieram uns 600 índios para Altamira e hospedaram-se no centro Betânia da Prelazia do Xingu. Vieram para protestar contra a decisão do governo de sacrificar o rio Xingu. O encontro que os índios chamaram de "Primeiro Encontro das Nações Indígenas do Xingu" realizou-se entre os dias 20 e 25 de fevereiro de 1989 e alcançou uma enorme repercussão nacional e internacional.

A foto que retratou a cena em que a índia Kayapó Tuyra encostou a lâmina de seu facão no rosto do então presidente da Eletronorte e hoje presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, percorreu o mundo inteiro e virou a logomarca da oposição indígena ao projeto de hidrelétrica. Tuyra tornou-se a mulher mais famosa do mundo Kayapó, mãe carinhosa com seus filhos e ao mesmo tempo guerreira intransigente quando se trata da defese sua terra e seu rio. Pouco depois daquele memorável encontro, o Banco Mundial negou o suporte financeiro e o projeto foi arquivado. Nunca, porém, foi abandonado. Já na década de 90 foi desengavetado e veio à tona com mais força.

No inicio do mês de junjunho de 2007, reuniram-se outra vez representantes de vários povos indígenas do Xingu no Centro Betânia da Prelazia do Xingu e insistiram que colaborássemos com eles para promover um Encontro dos Povos Indígenas semelhante àquele que aconteceu em 1989. Os índios pretendiam chamar a atenção do Brasil e do mundo, condenando o projeto faraônico que ameaça imolar ao deus-progresso o rio Xingu que para eles é sagrado, símbolo da vida, dádiva de Deus.

No dia 3 de junho de 2007, os participantes do encontro foram para a beira do rio, em Altamira, para uma manifestação contra o projeto de hidrelétrica ressuscitado que recebeu o nome "Belo Monte" em substituição à denominação anterior "Kararaô" que equivale a um grito de guerra do povo Kayapó. Mudou apenas o nome! O atual governo o considera prioridade no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O presidente Lula antes de ser eleito manifestou-se contra Belo Monte. Do mesmo jeito vários membros do Congresso Nacional, entre eles o deputado federal Zé Geraldo (PT/PA), eleito pelas comunidades do Xingu, declararam-se visceralmente contrários, quando estavam em campanha eleitoral. Mas que surpresa para todos nós: depois de eleitos mudaram de posição. O que antes condenaram com veemência, de repente, da noite para o dia, passaram a defender com unhas e dentes. O que estaria por trás dessa repentina metamorfose camaleônica?

Doravante, o povo do Xingu é informado de que se trata apenas de uma Unidade Hidrelétrica (UHE) e não mais de um Complexo Hidrelétrico. Não deixa de ser uma mentira deslavada que se propaga sem nenhum pudor, um artifício empregado propositadamente para ludibriar o povo. Todo mundo sabe que seria um incalculável desperdício investir bilhões de reais em uma usina que durante o verão tropical não tem condições de funcionar plenamente quando o volume de águas do Xingu diminui. É a estação em que extensas praias de areia branca e dourada emergem das águas cristalinas transformando a região numa paisagem deslumbrante.

Mas os barrageiros não se deixam impresionar pela beleza exótica do Xingu. Já baixaram a sentença e fim de papo. O rio tem que ser sacrificado! É o preço a pagar! Outras barragens serão necessárias e estão programadas! Para adiantar o serviço, a Eletrobrás já dispõe de todo o "inventário" do Xingu com o respectivo mapa que prevê os barramentos e as áreas alagadas até acima da cidade de São Félix do Xingu. Parece tratar-se de estudos clandestinos, pois não são acessíveis ou revelados ao público, algo que deve estar levando o carimbo "matéria alttamente confidencial" ou "segredo de Estado". Por que todo esse sigilo?

No mesmo dia 3 de junho de 2007 um cacique Kayapó subiu num caminhão estacionado na avenida que margeia o Xingu, pegou o microfone e indagou gritando: "O que será de nossas crianças?" e acrescentou: "Não permitimos que as sepulturas de nossos ancestrais vão para o fundo!". Enquanto empresários e comerciantes defendem Belo Monte na acalentada esperança de "chuvas de dinheiro" desabando sobre Altamira e não se preocupam com as consequências perniciosas para a vida de milhares de pessoas - mormente a população das baixadas que terá suas casas e propriedades alagadas, enquanto os membros desse consórcio empresarial abertamente demonstram que não lhes causa nenhuma inquietação se áreas indígenas demarcadas e homologadas são alagadas e o povo ribeirinho prejudicado - enquanto essa gente que em sua grande maioria veio de outros estados não tem nenhuma dor de consciência diante de um programado desastre ecológico irreversível, um índio, até hoje considerado um supérfluo resíduo da idade da pedra lascada, esse índio discriminado e tratado com desdém ou desprezo, é quem dá uma lição a toda a sociedade. Esse consórcio "comercial, industrial e agropastoril" só pensa em si. Não mantém laços nem com o passado, nem os estabelece com as futuras gerações, não se relaciona nem com quem vivia antes nem com quem vem depois. É uma associação de gente imediatista, interesseira e egoísta que aposta apenas em lucros fabulosos e declara guerra a quem tiver a petulância de se opor a sua ambição e ganância que não respeita nada e ninguém.

De repente, um índio chama a atenção para o direito das futuras gerações que também querem viver e estabelece ainda uma ponte com os antepassados, de quem herdamos este mundo que Deus criou. O índio teve a coragem de alertar para as consequências nefastas de um projeto megalomaníaco. À beira do rio, indígenas e não-indígenas se deram as mãos para selar o pacto de lutar contra a destruição do rio e da vida: Xingu Vivo para Sempre!

Em 1989 os índios se manifestaram, em 2007 insistiram de novo num grande encontro e mostramo-nos sensíveis ao pedido de todos os povos indígenas da bacia do Xingu.

Por que representantes da Eletrobrás ou Eletronorte nunca passaram por uma única aldeia para ouvir os índios a respeito de Belo Monte? Por que não pediram ajuda de quem realmente entende do mundo Kayapó para manter contatos com esses povos que são os primeiros a habitar esta terra? Por que essa discriminação, exclusão, marginalização dos povos autóctones? Por quê?

Nas audiências chamadas "públicas" não se fala a verdade nem existe real possibilidade para o povo manifestar as suas dúvidas, fazer indagações e apresentar críticas. Essas audiências são apenas parte de um ritual em que os enviados da Eletrobrás ou do governo recitam o rosário de vantagens e benefícios. Só vantagens! Só benefícios! Parece terminantemente proibido criar no povo a sensação de que possa haver alguma sequela negativa ou algum dano irreparável. Se alguém se atrever em insistir e opor-se ao discurso oficial, a resposta repetida até criar náuseas é e será sempre: "É o preço a ser pago pelo progresso!" "É a exigência do desenvolvimento".

Instados a explicar o que entendem por desenvolvimento e progresso, recusam-se a responder. Dizem que não não vieram para discutir questões "ideológicas". Fato é que a Eletrobrás sabe o que convém à sociedade, não ao zé-povinho. Causa realmente espécie a repetição de slogans, chavões pré-fabricados não com a intenção de esclarecer, mas de cooptar.

Veja-se o caso da índia Xipaia que está sendo aplaudida pelo pessoal do Consórcio e filmada afirmando que está a favor de Belo Monte, porque "o índio está no escuro". Sei quem é essa senhora. Ela mora há décadas na cidade e há luz na casa dela desde que a energia elétrica chegou a Altamira. "Cimi não dá dinheiro! Dom Erwin não dá dinheiro! Eletronorte dá dinheiro, paga conta! Por isso somos a favor de Belo Monte!" são frases que foram ouvidas na aldeia de determinado grupo que se distanciou dos outros povos indígenas do Xingu e não participou mais de nenhum evento. Que maneira mais esdrúxula de defender a "UHE Belo Monte", cooptando índios menos avisados e ainda acenando com vantagens financeiras aos que prometem defender o projeto.

Obcecado pela idéia de acelerar o crescimento da economia, o próprio presidente Lula identificou como "entraves" a esta medida a questão dos índios, dos quilombolas, dos ambientalistas e até do Ministério Público. Considerou ainda "penduricalhos" os artigos da legislação ambiental pois estes parâmetros legais estariam travando o desenvolvimento do país. Por isso a ordem é de desconsiderar ou, pelo menos, não dar tanta importância a impactos sociais e ambientais. Caso contrário, o país estaria condenado à estagnação.

, já que são exigidos estudos preliminares no caso de uma hidrelétrica, o governo encarrega os primeiros interessados no projeto, os grandes empreendedores, de providenciar os estudos de viabilidade ou de impacto ambiental e social. Terão a seu dispor cientistas de sua inteira confiança que na mais cega obediência aos ditames superiores corroborarão a tese que já é definida antes do estudo: o impacto ambiental e social será mínimo ou praticamente nulo. Alega-se: "O Brasil não pode esperar!" Ou alguém pensa sa que uma dessas empresas esteja interessada em apontar impactos ou danos sociais e ambientais? Isso equivaleria a cortar o galho em que estão sentadas.

A pergunta chave é: A quem mesmo interessa Belo Monte? Ao Brasil? Vai melhorar o padrão de vida dos paraenses, dos xinguaras, do povo de Altamira, Vitória do Xingu, Souzel, Anapu, da Transamazônica, do Baixo Xingu? A energia, a quem será destinada? Todos sabemos que serão mais uma vez beneficiadas as multinacionais que vivem às custas do Brasil com todas mordomias fiscais e facilidades energéticas.

O preço da energia para a família brasileira é escandaloso, é exorbitante, mas as empresas transnacionais contam com a benevolência magnânima dos sucessivos governos. O Pará, a Amazônia é considerada mera "província" energética, mineral, madeireira, última fronteira agrícola... Nunca saiu dessa categoria de "província". A metrópole, o centro nevrálgico das decisões e deliberações, sempre se encontra alhures! Pouco interessa à metrópole se os povos da "provínciíncia" passam bem ou vão de mal a pior. Algumas migalhas sempre caem, mais por descuido do que por amor aos pobres.


E os nossos políticos, em vez de questionar esse sistema iníquo, de criticar estruturas prejudiciais aos povos da Amazônia, de exigir direitos e "royalties", aplaudem de pé e não hesitam em apelar até para a terminologia teológica quando falam em "salvação", "redenção" da região, do Pará e da Amazônia. Infelizmente nada entendem da máxima do grande Santo Tomás de Aquino: "Gratia supponit naturam" (a graça pressupõe a natureza). No contexto da Amazônia, jamais haverá redenção se a criação for arrasada, destruída, aniquilada. Aí só vai sobrar a desgraça, o caos, o apocalipse.



 
Mata ciliar desmatada perto da BR-080, limite norte do Parque Indígena do Xingu /ANDRÉ VILLAS-BÔAS Xingu Vivo para Sempre


No dia 19 de maio de 2008 tive o privilégio de fazer a abertura do encontro Xingu Vivo para Sempre no Ginásio Poliesportivo de Altamira. Mais de 600 indígenas, mulheres, homens e crianças, entraram solenemente no recinto, cantando e dançando, erguendo suas lanças, bordunas e facões. Quem não se emocionou quando os índios Kayapó cantaram o Hino Nacional em sua língua materna! A platéia aplaudiu entusiasmada.

Apresentei todos os caciques das 24 etnias presentes e saudamos os outros participantes do evento chamando-os por município. O ar foi festivo, animado, algo excepcional, pois não é todo dia que se vê tantos indígenas, pintados segundo suas tradições, dançando de acordo com os seus ritos milenares e cantando num idioma ancestral enquanto se movimentam num ritmo tão peculiar. Volta e meia, uma ou um Kayapó levanta para fazer sua dança individual erguendo um facão ou mostrando borduna e lança, os homens com seus barítonos volumosos e fortes, as mulheres com vozes elevadas, incisivas, às vezes até estridentes. A beleza exótica das expressões culturais comove e impressiona. A juventude, presente nas arquibancadas, vibra com as danças e aplaude com prolongadas salvas de palmas.

Na mmanhã do segundo dia continuou a apresentação. Faz parte do ritual indígena que cada cacique fale, mesmo que repita argumentos ou opiniões anteriormente já expressos por um parente. Aliás, todos se entendem como parentes. A procedência geográfica não conta nem sequer a etnia ou o tronco linguístico a que pertencem. Todos se tratam de "õbikwa", familiares! Se um sofre ou é agredido, todos se sentem atacados. Quando se apresentam, falam primeiro em sua língua materna e depois traduzem, eles mesmos, a fala paara o português. Uns tem mais facilidade de expressar-se em português, outros não conseguem fazê-lo de modo correto.

Percebe-se a sua alegria, mas muitas vezes também a angustia ou indignação por causa de alguma decisão do governo contrária a eles ou do avanço de latifundiários, mineradoras, madeireiras, garimpeiros para as terras habitadas por eles desde tempos imemoriais. São muito sensíveis a qualquer falta de consideração da parte da sociedade envolvente. Não ocultam a sua decepção. "Já estamos cansads de ouvir e não ser ouvidos. Já estamos cansados de escutar ameaças de construção de barragens na volta grande do Rio Xingu. Não estamos só defendendo o rio Xingu, mas os rios da Amazônia: moradia dos povos indígenas" reclama um dos caciques.

Debates e o incidente

Ao término das apresentações foi composta a mesa de trabalho para os debates. Foram chamados o professor Oswaldo Sevá Filho, da Universidade de Campinas (Unicamp); o engenheiro Paulo Fernando Viana Rezende, da Eletrobrás; Roquivan Alves da Silva, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB); Jean Pierre Leroy, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e Glenn Switkes, diretor do Programa Latino-americano do International Rivers Network (IRD).

Oswaldo Sevá é conhecido nosso e dos indígenas. Veio para mais uma vez alertar sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. Foi ele quem organizou o livro Tenotã-Mo, lançado em 11 de agosto de 2005, uma coletânea de artigos de especialistas de diversas áreas que pretendia provocar um amplo debate sobre as hidrelétricas na Amazônia. Fui convidado a escrever o prefácio para este livro. Para nossa total decepção, a Eletrobrás nunca respondeu às indagações e críticas da parte do mundo científico. Percebe-se nitidmente a arrogância de alguns órgãos do governo. Nós apelamos para argumentos, eles para o "poder", ostensiva e cinicamente manifestado.

Entrei no ginásio já no final da palestra do professor Oswaldo Sevá. Chegou a vez do representante da Eletrobrás, o engenheiro Paulo Rezende. Tive a impressão de que não encontrou tempo para se preparar. Assim optou por uma sessão "Power Point" como a Eletrobrás costuma fazer quando é solicitada por prefeitos, vereadores, comerciantes e empresários. Na tela apareceram números e estatísticas, dificilmente identificáveis por causa da claridade do ambiente. A platéia começou a ficar inquieta e reagiu quando o engenheiro desqualificou o professor Oswaldo Sevá, chamando-o de "desatualizado". As vaias se tornaram cada vez mais incisivas. Falei para a professora Mônica sentada ao meu lado: "Por que esse homem não pára, com todas essas vaias?". Pareciam antes estimular o engenheiro. Alteou a sua voz, elevando-a a um tom provocador.

O engenheiro cumpriu seu papel dentro do ritual previsto. Nada de admitir que o projeto possa trazer também conseqüências adversas, irreversíveis. Aulas de pedagogia não devem constar da grade curricular de uma faculdade de engenharia. Assim o engenheiro não teve nenhum preparo para lidar com situações diferentes das que ele conhece no âmbito empresarial. Não conseguiu envolver a platéia, de modo especial os indígenas presentes. Perdeu as estribeiras e apelou para a arrogância. Por que não fez uma exposição mais simples para todo mundo entender? Por que não dividiu sua palestra em duas partes? Poderia, se assim o quisesse, falar primeiro das vantagens e dos benefícios que Belo Monte pode trazer. Em seguida abordaria com sinceridade e simplicidade as desvantagens, os prejuízos que, sem dúvida, a hidrelétrica irá causar. Mas nada disso aconteceu. Faltava franqueza e imparcialidade. O engenheiro transmitiu à platéia a sua convicção de que, haja oposição ou não, Belo Monte vai sair de qualquer jeito!



Quando após a palestra do engenheiro, o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens, iniciou sua fala dizendo que os índios irão defender o Xingu para protegê-lo, ressoou de repente pelo ginásio um terrível grito de guerra. Os índios se levantaram e ergueram bordunas e facões e, em seguida, iniciaram uma dança movimentando-se em direção ao engenheiro. Vi os índios gesticular com facões e bordunas. Simbolizaram um ataque. Do lugar, onde eu estava, não pude observar que um dos fações resvalou no braço do engenheiro, ferindo-o. Quando consegui ficar mais próximo, percebi o corte no braço direito do engenheiro. Vi também como ele derramou toda uma garrafa de água mineral sobre o corte que sofreu. A intenção que teve, foi sem dúvida a de limpar a ferida, mas o resultado foi uma imensa poça d’água misturada com sangue que causou a tétrica impressão de que alguém havia sido esquartejado ou guilhotinado naquele mesmo instante. Inúmeras vezes esta mesma cena foi repetida nas reportagens de televisão. Sangue espalhada por toda parte. O engenheiro foi encaminhado para o hospital. Levou seis pontos e recebeu alta. Padre Renato Trevisan que tem uma larga experiência com o povo Kayapó, além de falar muito bem seu idioma, solicitou a um cacique que apaziguasse na língua Kayapó os espíritos excitados. O cacique pegou prontamente o microfone e falou a seu povo.

Nós, da coordenação e responsáveis pelo evento, ficamos espantados, muito aflitos e angustiados ao extremo. Imaginávamos logo a repercussão do acidente nos meios de comunicação. Havia gente nossa chorando convuvamente. Ninguém se conformara com o acontecido. Tudo estava correndo tão bem, sem sobressaltos. E agora?

Afirmo com toda a ênfase e convicção que o corte com o facão que o engenheiro sofreu foi acidental. Muito lamentável, sem dúvida, mas jamais foi tententativa de homicídio, pois se os índios quisessem matar o engenheiro não o teriam atingido apenas no braço. Aliás, o próprio engenheiro em entrevista gravada para o programa "O Fantástico" da TV-Globo admitiu que foi um acidente. Repúdio e rejeito por umuestão de consciência a afirmação de que a agressão foi premeditada ou programada. São as forças antiindígenas que mais uma vez vêm à tona e agora se deleitam no macabro prazer de sustentar essa tese absurda.

A coordenação do evento veio imediatamente a público e falou do incidente lastimável. Redigimos uma nota em que lamentamos profundamente o ocorrido. Fui procurado por jornalistas e dei várias entrevistas a diversos canais de televisão. Mesmo assim, parte da mídia optou pela divulgação sensacionalista dos fatos o que engendrou todo tipo de comentário ao longo dos dias e semanas subseqüentes. Condenaram sumariamente a Prelazia do Xingu e o seu bispo e as outras entidades coordenadoras do evento.

Pensávamos por alguns momentos até em encerrar o encontro, julgando que não houvesse mais clima para a continuação, mas, finalmente, decidimos cancelar apenas a passeata pelas ruas da cidade de Altamira e substitui-la por uma manifestação à beira do rio Xingu.

No dia 23 de maio, representantes dos povos indígenas e gente que vive ao longo do Xingu e seus afluentes, gente do campo e da cidade e representantes dos movimentos sociais se deram mais uma vez as mãos à beira do rio Xingu. Mais uma vez os índios discursaram e dançaram. As mulheres com as crianças entraram n’água para demonstrar como amam o rio e como dependem dele.

Acabou o encontro Xingu Vivo para Sempre, mas não acabou a luta em defesa desse rio maravilhoso e dos povos do Xingu. Foi lido o documento final em que os índios fazem questão de manifestar-se como "cidadãos e cidadãs brasileiras". "Vimos a público comunicar a nossa decisão de fazer valer o nosso direito e o de nossos filhos e netos a viver com dignidade, manter nossos lares e territórios, nossas culturas e formas de vida, honrando também nossos antepassados, que nos entregaram um ambiente equilibrado. Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes, grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas, pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata nossos rios, pela ampliação das monoculturas e da pecuária extensiva que desmatam nossas florestas".

"Queremos o Xingu vivo para sempre!"

 Fontes:
http://www.adital.com.br/SITE/noticia.asp?lang=PT&cod=33774



PANORAMA ATUALIZADO

O leilão

O leilão para definição do construtor da Usina de Belo Monte estava previsto para ocorrer em 21 de dezembro de 2009. Remarcado para o dia 20 de abril de 2010, houve a primeira suspensão, conforme liminar da Justiça Federal do Pará a partir de recomendação do Ministério Público Federal paraense que aponta irregularidades no empreendimento . O Ministério Público paraense também move outra ação pública, que pretende derrubar a licença ambiental concedida à obra . O diretor de licenciamento do Ibama, Pedro Alberto Bignelli, entretanto, defende que a construção de Belo Monte não atinge diretamente as terras indígenas da região, o que contraria a decisão judicial que suspendeu a realização do leilão e determina que o Ibama conceda uma nova licença prévia ao empreendimento.
 
No dia 16 de abril de 2010, o Tribunal Regional Federal acatou recurso da Advocacia-Geral da União - que havia recorrido um dia antes - e anulou a liminar que suspendia o leilão. Portanto, a data de 20 de abril estava mantida, e o leilão ainda corria risco.
 
No dia 19 de abril de 2010, houve uma nova suspensão, conforme decisão do juiz Antonio Carlos Almeida Campelo que concedeu a liminar a partir de pedido do Ministério Público Federal. O juiz também mandou cancelar a licença prévia da obra e ressalta que a falta de dados sobre o projeto fere o princípio jurídico da precaução.
 
No dia seguinte, o dia do leilão, a Justiça cassou a liminar da suspensão. O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, disse entretanto que os processos judiciais contra a construção da usina não devem terminar com o leilão.
 
O leilão foi realizado em 10 minutos, em plena indefinição de uma nova liminar suspensiva, e foi vencido pelo Consórcio Norte Energia que ofereceu menor preço oferecido pela energia elétrica da futura usina.
 
Em abril de 2010, o governo brasileiro enfrentaria, pelo menos, 15 questionamentos judiciais sobre a viabilidade econômica da obra e os impactos sociais e ambientais na região, sendo 13 deles impetrados pelo Ministério Público Federal paraense . Ainda assim, o governo federal garante que, se preciso, construirá a usina sozinho.Em 18 de fevereiro de 2011, a Nesa (Norte Energia S.A.) assinou o contrato com o consórcio vencedor no valor de R$ 13,8 bilhões para construção da usina, esperando obter um financiamento de R$ 19 bilhões para a obra orçada em R$ 25 bilhões.
 
Belo Monte deve começar a operar em fevereiro de 2015, mas as obras seguirão até 2019.
 

Consórcios

 
 
Dois consórcios disputaram Belo Monte. O primeiro, chamado de Norte Energia, foi formado por nove empresas (Chesf, Queiroz Galvão, Gaia Energia e Participações, Galvão Engenharia, Mendes Energia, Serveng, J Malucelli Construtora, Contern Construções e Cetenco Engenharia).
 
O segundo, chamado de Belo Monte Energia, contou com Furnas, Eletrosul, Andrade Gutierrez, VALE, Neoenergia e Companhia Brasileira de Alumínio. Assim, a presença estatal mostra-se forte na montagem dos consórcios, com as subsidiárias da Eletrobrás em comando dos grupos com quase 50% de participação, enquanto a fatia das empresas privadas não supera 12,75%.
 
Antes do último adiamento do leilão, as empresas CSN, Gerdau e Alcoa haviam anunciado o interesse de fazer parte de consórcios estabelecidos a partir de parcerias estratégicas do empreendimento, já que, entre outros detalhes, irão usufruir da energia em unidades produtivas instaladas no Pará.
 
As empresas Odebrecht e Camargo Corrêa desistiram do leilão por temerem não lucrar com a empreitada.
 
Em julho de 2011, a Vale, embora tenha participado do grupo perdedor do leilão, passou a ser sócia da usina ao ocupar 9% da participação deixada pela Gaia, subsidiária do Grupo Bertin. A mineradora possui vários projetos próximos a Belo Monte.
 
Para garantir a realização do leilão, foi determinado que o BNDES deve financiar 80% da obra em 30 anos , e o custo da obra foi reavaliado em R$ 19 bilhões , mas empresas do setor privado estimam que a obra deve custar cerca de R$ 30 bilhões.
 

Impactos da obra

 
Há opiniões conflitantes sobre a construção da usina. As organizações sociais têm convicção de que o projeto tem graves problemas e lacunas na sua formação.
 
O movimento contrário à obra, encabeçado por ambientalistas e acadêmicos, defende que a construção da hidrelétrica irá provocar a alteração do regime de escoamento do rio, com redução do fluxo de água, afetando a flora e fauna locais e introduzindo diversos impactos socioeconômicos. Um estudo formado por 40 especialistas e 230 páginas defende que a usina não é viável dos pontos de vista social e ambiental.
 
Outro fator que pesa nas argumentações contra a construção é que a obra irá inundar permanentemente os igarapés Altamira e Ambé, que cortam a cidade de Altamira, e parte da área rural de Vitória do Xingu. A vazão da água a jusante do barramento do rio em Volta Grande do Xingu será reduzida e o transporte fluvial até o Rio Bacajá (um dos afluentes da margem direita do Xingu ) será interrompido. Atualmente, este é o único meio de transporte para comunidades ribeirinhas e indígenas chegarem até Altamira, onde encontram médicos, dentistas e fazem seus negócios, como a venda de peixes e castanhas.
 
A alteração da vazão do rio, segundo os especialistas, altera todo o ciclo ecológico da região afetada que está condicionado ao regime de secas e cheias. A obra irá gerar regimes hidrológicos distintos para o rio. A região permanentemente alagada deverá impactar na vida de árvores, cujas raízes irão apodrecer. Estas árvores são a base da dieta de muitos peixes. Além disto, muitos peixes fazem a desova no regime de cheias, portanto, estima-se que na região seca haverá a redução nas espécies de peixes, impactando na pesca como atividade econômica e de subsistência de povos indígenas e ribeirinhos da região. De resto, as análises sobre o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte feitas pelo Painel de Especialistas, que reúne pesquisadores e pesquisadoras de renomadas universidades do país, apontam que a construção da hidrelétrica vai implicar um caos social que seria causado pela migração de mais de 100 mil pessoas para a região e pelo deslocamento forçado de mais de 20 mil pessoas. Tais impactos, segundo o Painel, são acrescidos pela subestimação da população atingida e pela subestimação da área diretamente afetada.
 
Segundo documento do Centro de Estudos da Consultoria do Senado, que atende políticos da Casa, o potencial hidrelétrico do país é subutilizado e tem o duplo efeito perverso de levar ao uso substituto da energia termoelétrica - considerada "energia suja" e de gerar tarifas mais caras para os usuários, embora o uso da energia eólica não tenha sido citada no relatório. Por outro lado, o Ministério de Minas e Energia defende o uso das termoelétricas para garantir o fornecimento, especialmente em períodos de escassez de outras fontes.
 
O caso de Belo Monte envolve a construção de uma usina sem reservatório e que dependerá da sazonalidade das chuvas . Por isso, para alguns críticos, em época de cheia a usina deverá operar com metade da capacidade, mas, em tempo de seca, a geração pode ir um pouco abaixo de 4,5 mil MW, o que somado aos vários passivos sociais e ambientais coloca em xeque a viabilidade econômica do projeto.
 

Relatório do IBAMA

 
 
O Relatório de Impacto Ambiental, encomendado pela Eletrobras e efetuado pela Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht e Leme Engenharia, listou os impactos da hidrelétrica :
  1. Geração de expectativas quanto ao futuro da população local e da região;
  2. Geração de expectativas na população indígena;
  3. Aumento da população e da ocupação desordenada do solo;
  4. Aumento da pressão sobre as terras e áreas indígenas;
  5. Aumento das necessidades por mercadorias e serviços, da oferta de trabalho e maior movimentação da economia;
  6. Perda de imóveis e benfeitorias com transferência da população na área rural e perda de atividades produtivas;
  7. Perda de imóveis e benfeitorias com transferência da População na área urbana e perda de atividades produtivas;
  8. Melhorias dos acessos;
  9. Mudanças na paisagem, causadas pela instalação da infra-estrutura de apoio e das obras principais;
  10. Perda de vegetação e de ambientes naturais com mudanças na fauna, causada pela instalação da infra-estrutura de apoio e obras principais;
  11. Aumento do barulho e da poeira com incômodo da população e da fauna, causado pela instalação da infraestrutura de apoio e das obras principais;
  12. Mudanças no escoamento e na qualidade da água nos igarapés do trecho do reservatório dos canais, com mudanças nos peixes;
  13. Alterações nas condições de acesso pelo Rio Xingu das comunidades Indígenas à Altamira, causadas pelas obras no Sítio Pimental;
  14. Alteração da qualidade da água do Rio Xingu próximo ao Sítio Pimental e perda de fonte de renda e sustento para as populações indígenas;
  15. Danos ao patrimônio arqueológico;
  16. Interrupção temporária do escoamento da água no canal da margem esquerda do Xingu, no trecho entre a barragem principal e o núcleo de referência rural São Pedro durante 7 meses;
  17. Perda de postos de trabalho e renda, causada pela desmobilização de mão de obra;
  18. Retirada de vegetação, com perda de ambientes naturais e recursos extrativistas, causada pela formação dos reservatórios;
  19. Mudanças na paisagem e perda de praias e áreas de lazer, causada pela formação dos reservatórios;
  20. Inundação permanente dos abrigos da Gravura e Assurini e danos ao patrimônio arqueológico, causada pela formação dos reservatórios;
  21. Perda de jazidas de argila devido à formação do reservatório do Xingu;
  22. Mudanças nas espécies de peixes e no tipo de pesca, causada pela formação dos reservatórios;
  23. Alteração na qualidade das águas dos igarapés de Altamira e no reservatório dos canais, causada pela formação dos reservatórios;
  24. Interrupção de acessos viários pela formação do reservatório dos canais;
  25. Interrupção de acessos na cidade de Altamira, causada pela formação do Reservatório do Xingu;
  26. Mudanças nas condições de navegação, causada pela formação dos reservatórios;
  27. Aumento da quantidade de energia a ser disponibilizada para o Sistema Interligado Nacional – SIN;
  28. Dinamização da economia regional;
  29. Interrupção da navegação no trecho de vazão reduzida nos períodos de seca;
  30. Perda de ambientes para reprodução, alimentação e abrigo de peixes e outros animais no trecho de vazão reduzida;
  31. Formação de poças, mudanças na qualidade das águas e criação de ambientes para mosquitos que transmitem doenças no trecho de vazão reduzida;
  32. Prejuízos para a pesca e para outras fontes de renda e sustento no trecho de vazão reduzida.
  33.  

Autorização

 
 
Em 26 de janeiro de 2011, o IBAMA deu a "autorização de supressão de vegetação" ao Consórcio Norte Energia. O início dessas obras infraestruturais antecedem a construção de Belo Monte. O procedimento envolve a autorização para o desmatamento de 238,1 hectares, sendo 64,5 hectares localizados em Área de Preservação Permanente (APP). O órgão, porém, define que o consórcio terá de recompor a quantidade desmatada da APP, bem como condicionou que o processo de desmate não seja feito com uso do fogo e não sejam feitos descartes em aterros e mananciais hídricos.A emissão da licença aconteceu após reuniões com órgãos públicos, índios citadinos, índios jurunas, associações de moradores e representantes de pescadores, além de uma vistoria técnica realizada em novembro de 2010.
 
A autorização permite que o consórcio inicie o procedimento de acampamento, canteiro industrial e área de estoque de solo e madeira.
 
O Ministério Público Federal no Pará, no entanto, não teve acesso ao documento integral emitido pelo IBAMA, contrariando recomendação de que as licenças não devem ser fragmentadas com a finalidade de acelerar o licenciamento.Ainda de acordo com o ministério, as condicionantes da Licença Prévia 342/2010 não foram resolvidas de acordo com o previsto, o que não assegura a legalidade do procedimento.
 

Receptividade ao projeto

 

Histórico

 
Cenas públicas de tensão fizeram parte da história da idealização do projeto.
 
Em agosto de 2001, o coordenador do Movimento pela Transamazônica e do Xingu, Ademir Federicci, foi morto com um tiro na boca enquanto dormia ao lado da esposa e do filho caçula, após ter participado de um debate de resistência contra a Usina de Belo Monte. Ameaçada de morte desde 2004, a coordenadora do Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Pará e do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antonia de Melo, também é contrária à instalação da usina e não sai mais às ruas. Ela acredita que a usina, que inicialmente seria chamada de Kararaô, é um projeto mentiroso e que afetará a população de maneira irreversível, "um crime contra a humanidade". Segundo ela, nove povos indígenas, ribeirinhos e trabalhadores da agricultura familiar, por exemplo, serão expulsos para outras regiões. A alternativa seria, segundo ela, um desenvolvimento sustentável, que não tivesse tantas implicações.
 
Em 20 de maio de 2008, índios feriram um engenheiro da Eletrobras durante um debate.
 
Em 29 de setembro de 2009 foi publicado um painel de especialistas , realizado por 40 pesquisadores de diversas Universidades e Institutos de pesquisa principalmente brasileiros. O painel de 230 páginas abrange aspectos sociais, econômicos, culturais, de saúde, educação, segurança, das tribos indígenas locais, hidrológicas, de viabilidade técnica e econômica, de ameaças à fauna aquática e à biodiversidade. Conclui de modo geral a inviabilidade da usina e excessivos custos sociais e ambientais associados a ela.
 
Em dezembro de 2009, o Ministério Público do Pará promoveu uma audiência pública com representantes do índios do Xingu, fato que marcaria seu posicionamento em relação à obra.
 
Mais tarde, o processo provocou o embate da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
 
As mobilizações populares e de ambientalistas, que há décadas realizam ações de resistência contra a usina, conseguiram repercussão internacional com a proximidade do leilão. No dia 12 de abril de 2010, o diretor James Cameron e os atores Sigourney Weaver e Joel David Moore participaram de um ato público contra a obra.
 
No dia 20 de abril de 2010, o Greenpeace, em protesto, despejou um caminhão de esterco bovino na entrada da Aneel. Os manifestantes, com máscaras e acorrentados, empunharam bandeiras com frases como "O Brasil precisa de energia, não de Belo Monte". No mesmo dia, cerca de 500 manifestantes também manifestaram indignação com a obra e também na Transamazônica. e Sítio Pimental, onde será construída a barragem de Belo Monte.
 
Em maio de 2010, foi lançado, em Paris, o livro Memórias de Um Chefe Indígena, de autoria do cacique Raoni, com prefácio de Jacques Chirac  . Na ocasião, o cacique Raoni foi recebido pelo presidente Nicolas Sarkozy e, em entrevista à RFI, ameaçou matar todos os brancos que construíssem as barragens. A ocasião também mostrou como autoridades francesas são contrárias à construção da barragem.
 
No dia 13 de janeiro de 2011, o então presidente do Ibama, Abelardo Bayma, deixou o cargo alegando questões pessoais, mas outra versão aponta que a pressão do governo para a concessão da licença com afrouxamentos seja o verdadeiro motivo.Treze dias depois, o Ibama concedeu a licença para o início das obras em Belo Monte e Pimental.
 
Em abril de 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu a suspensão da obra a fim de garantir os direitos dos índios, após várias comunidades tradicionais encaminharem denúncias à OEA.
 
Em 1 de junho de 2011, o Ibama voltou a reafirmar a emissão da concessão ambiental, dada a rejeição de vinte associações e sociedades científicas por meio de uma carta remetida à presidente Dilma, um abaixo-assinado com 500 mil assinaturas, além das assinaladas por ecologistas e indígenas e, principalmente, pela Justiça Federal do Pará ter cassado a licença anterior, embora, em seguida, o governo tenha derrubado a liminar. Ainda assim, o Ministério Público Federal ressaltou que o consórcio não garantiu o cumprimento das exigências de saneamento e navegabilidade, ou seja, garantia de que não ocorrerão a seca de uma área do rio habitada por 20 mil índios e a eutrofização de alguns trechos do Rio Xingu.
 
Em 2 de junho de 2011, a Anistia Internacional também pediu a suspensão do projeto de construção pelos mesmos motivos que a CIDH, pedido também encaminhado, no dia seguinte, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU pela Justiça Global, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e Conectas Direitos Humanos.
 
Em 17 de outubro de 2011, foi julgado no Tribunal Regional Federal da 1º Região, em Brasília, a ação cível pública que trata das oitivas indígenas, ou seja, o direito dos povos indígenas serem consultados pelo Congresso Nacional antes do início das obras. Na ocasião, a desembargadora Selene Maria de Almeida tentou invalidar o Decreto Legislativo nº 788/2005 do Congresso Nacional, que autorizou a construção da usina, e portanto a continuidade da construção da hidrelétrica. Todavia, quase um mês depois, a desembargadora Maria do Carmo Cardoso seguiu o voto do desembargador Fagundes de Deus - responsável pelo acórdão final - e votaram a favor do decreto. Fagundes de Deus apresentou como justificativas os argumentos de que a área indígena não será diretamente afetada e que os indígenas poderão ser ouvidos durante o processo de licenciamento.
 
Em 26 de outubro, aconteceu em Washington (EUA) uma audiência convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre um suposto descumprimento de medidas cautelares que visam a proteção das populações indígenas do Xingu. As denúncias haviam sido encaminhadas em novembro de 2010 por entidades ligadas aos direitos dos índios.
 
O Governo Federal, convocado, não compareceu ao alegar não ter uma representação definitiva do Brasil na OEA. Já em Altamira, nesse mesmo dia, cerca de 600 pessoas, entre eles indígenas, pescadores e ribeirinhos, ocuparam o canteiro de obras da hidrelétrica e interditaram um trecho da rodovia Transamazônica. A ocupação terminou no final da noite do mesmo dia após uma liminar de reintegração de posse ser expedida e entregue por um oficial de justiça com a presença da Polícia Militar.
 

Avaliação

 
 
Segundo a professora da UFPA Janice Muriel Cunha os impactos sobre a ictiofauna não foram esclarecidos ao não contemplar todas as espécies do Rio Xingu.
 
Outro professor da UFPA e doutor em ecologia, Hermes Fonsêca Medeiros, defende que a obra geraria milhares de empregos, mas, ao final dela, restariam apenas 900 postos de trabalho, o que levaria a população que se instalou na região ao envolvimento com o desmatamento, pois não há vocações econômicas desenvolvidas na região. A hidrelétrica irá, segundo ele, atingir 30 terras indígenas e 12 unidades de conservação. Outro detalhe, segundo o professor universitário, é que a hidrelétrica precisaria de outro Rio Xingu para produzir o ano todo. O bispo austríaco Erwin Kräutler, que há 45 anos atua na região considera o empreendimento um risco para os povos indígenas, visto que poderá faltar água ao desviar o curso para alimentar as barragens e mover as turbinas, além de retirar os índios do ambiente de origem e de inchar abruptamente a cidade de Altamira que pode ter a população duplicada com a hidrelétrica. Segundo o bispo, os problemas em Balbina e Tucuruí, que a princípio seriam considerados investimentos para as populações do entorno, não foram superados e servem de experiência para Belo Monte, já que os investimentos infraestruturais ou a exploração do ecoturismo - "no território mais indígena do Brasil" - poderiam acontecer sem a inserção e ampliação da hidrelétrica.
 
Os procuradores da República defendem que a construção da usina deveria ter sido aprovada por meio de lei federal, visto que a obra está em área indígena, especificamente em terras de Paquiçamba e Arara da Volta Grande, mas a Advocacia-Geral da União refuta esta possibilidade. Em 18 de agosto de 2011, o Ministério Público Federal no Pará entrou com uma nova ação pedindo suspensão da obra alegando invasão de terras dos juruna e arara, respectivamente. Caso a obra não seja suspensa, o MPF pede na ação que a Nesa indenize os índios.
 
Já o empresário Vilmar Soares, que vive em Altamira há 29 anos, acredita que a usina irá melhorar a qualidade de vida de Altamira, com o remanejamento da população das palafitas - área que será inundada - para moradias bem estruturadas em Vitória do Xingu, e que a usina maior seria acompanhada de outros investimentos, como geração de empregos, energia elétrica para a população rural (a maior parte da energia de de Altamira vem do diesel) e a pavimentação da Transamazônica que impulsionaria a destinação do cacau produzido na região.
 
Os defensores da obra, formados por empresários, políticos e moradores das cidades envolvidas pelo projeto , estimam que cerca de R$ 500 milhões sustentam o plano de desenvolvimento regional que estaria garantido com a usina. Essa injeção de recursos seria aplicada em geração de empregos, educação, desenvolvimento da agricultura e atração de indústrias . Acredita-se também que o empreendimento atrairá novos investidores para a região, considerada a única forma de alavancar o desenvolvimento de uma região carente de investimentos.
 
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, afirma que Belo Monte, um investimento equivalente a 19 vezes ao orçamento do Pará em 2010, será a salvação para a região e que as opiniões contrárias são preconceituosas, pois, segundo ele, a atual proposta envolve um terço da área original que seria alagada. O consumo de energia elétrica tende a aumentar e os investimentos com Belo Monte, segundo ele, serão necessários.
 
No entanto, outros defendem que estas perspectivas de demanda de desenvolvimento, geração de empregos e atração de investimentos para a região confrontam com o já existente estilo de vida viável e sustentável dos habitantes da região, baseado em sistemas agroflorestais e na exploração de recursos naturais. O deslocamento de uma comunidade de sua área de origem, cultura e meio de vida, como já observado em outros casos de deslocamento compulsório por hidrelétricas, podem não ser indenizáveis por programas de apoio ou dinheiro.
 
O físico, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas e membro do conselho editorial do jornal Folha de S.Paulo, Rogério Cezar de Cerqueira Leite, disse que milhares de espécimes vão sucumbir, mas, em compensação, 20 milhões de brasileiros terão energia elétrica garantida.
 
O ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, defende que o Brasil desperdiça, anualmente, o equivalente a três usinas de Belo Monte ao não utilizar o bagaço e a palha da cana-de-açúcar.
 

Impactos sociais

 
Em fevereiro de 2013, foi descoberto em Altamira um esquema de tráfico de mulheres, incluindo menores de idade, que eram mantidas em cárcere privado em uma boate localizada em um dos canteiros de obras da Usina de Belo Monte. Quatro mulheres e um travesti foram libertados. Em uma segunda operação policial no mesmo mês, mais doze mulheres foram resgatados de situação considerada de escravidão sexual em outros cinco prostíbulos da cidade. Todas as pessoas libertadas haviam sido aliciadas nos três estados da região Sul do Brasil, com promessas de ganhos altos para trabalharem perto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
 
O tráfico de drogas também aumentou na região. Entre 2011 e 2012, a polícia apreendeu uma quantidade doze vezes maior de cocaína e nove vezes maior de crack na cidade de Altamira, que é a mais afetada pelas obras de instalação da usina. Para a polícia local, o aumento da população da cidade a partir do início das obras tem relação direta com o crescimento do tráfico de drogas e da prostituição. Nos anos de 2011 e 2012, a população aumentou em 46 mil habitantes, dos quais 16 mil são contratados e outros quatro mil são subcontratados do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM).


 
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Depredação foi registrada em Belo Monte
 
setembro 18, 2013 12:51
http://www.altamirahoje.net/depredacao-registrada-hoje-belo-monte

Na manhã desta quarta-feira (18), foi registrado um quebra quebra no sítio Pimental, no Ramal do KM 27, segundo fontes seguras, auxiliares administrativos do CCBM, estavam entregando panfletos com informações que segundo os trabalhadores, são prejudiciais na jornada de trabalho com a perda de um dia de folga que será descontado na ‘folha’ além dos termos usados no texto que brincam com a pessoalidade dos operários como mostra a foto de uma das figuras de uma conversa explicativa distribuída pela CCBM.
 
Quebra quebra face3
 
Vários ônibus foram depredados, trabalhadores que estavam nos veículos tiveram que sair correndo, guardas patrimoniais foram chamados mas não conseguiram conter a onda de violência, policiais da força nacional que tem equipes no canteiro foram acionados, segundo informações houve disparo com bala de borracha e facas foram usadas para furar os pneus. No em nossa página no Facebook alguns operários descrevem o que viveram.
 
 
RAMAL DO KM 27 - 8:00H
 
Depois da depredação, muitos operários foram liberados dos trabalhos, e tiveram que retornar para Altamira, no entanto andaram de 5 km a 10 km para chegar em outro ponto da obra onde conseguiram condução. O CCBM e a Norte Energia ainda informarão quais providências serão tomadas em relação ao caso. Segundo o comando da PM em Altamira todos os trabalhos no sítio Pimental foram suspensos.
 
 
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ALTAMIRA – 12:00H
Ainda segundo a PM ao menos 100 pessoas foram demitidas e os policiais estão acompanhando em Altamira o comboio de ônibus que veio para o Recursos Humanos para os tramites documentais, os PMs foram chamados para evitar mais conflitos.
 
A OBRA
 
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é uma central hidrelétrica que está sendo construída no Rio Xingu, sua potência instalada será de 11.233 MW; mas, por operar com reservatório muito reduzido, deverá produzir efetivamente cerca de 4.500 MW (39,5TWh por ano) em média ao longo do ano, o que representa aproximadamente 10% do consumo nacional (388 TWh em 2009)
 
Belo Monte está projetada para ser a 3ª maior hidrelétrica do Planeta, o local fica na zona rural do município de Vitória do Xingu no Oeste do Pará, ‘Pimental’ é o principal canteiro de Obras da Usina de Belo Monte em Construção na Volta Grande do Xingu.
Por: Felype Adms

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